quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Espero

Sobre a serra uma manta de nuvens cinzentas.
Pingos grossos de chuva teimosa batem contra os vidros da janela do meu quarto.
Deixo-me estar, assim, encostada a eles, aos vidros, de olhos postos no nada.
No silêncio das primeiras hora do dia, já estou cansada.

Espero.

Queria ser a gota de água que escorre e se evapora.
Queria não ter razão de ser e ser apenas, como aquelas nuvens.
Mas não consigo chorar como elas.
Nem tão pouco ignorar...ir-me embora.

Espero.


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Perdida

Era uma vez uma menina muito velha que tudo julgava saber das coisas humanas. Na sua casa, feita de paredes de vidro, existiam estantes enormes replectas de livros e todos ela tinha lido, menos um - o mais importante de todos...aquele que ensinava que é impossível saber tudo sobre as coisas humanas, inclusivamente que ela própria era uma delas. Não viu aquele precioso livro porque era distraída e a distracção é outra coisa humana que pode dar muitos dissabores, só que a menina muito velha não levava muito a sério as distracções.
Num dia qualquer, sem hora precisa, resolveu dar um passeio pelo mesmo caminho de sempre. Um caminho seguro, sem ervas daninhas, nem plantas espinhosas. Ao fundo viu o começo de uma floresta que nunca ali tinha estado. Curiosa como era (devia ter lido o tal livro esquecido que também ensinava que a curiosidade podia trazer o inesperado), resolveu ir espreitá-la, meter-se nela. Vista de fora, a floresta parecia tão bela, calma e acolhedora! Entrou. Árvores, flores, arbustos, chilrear de aves descontraídas. Foi andando, andado, cada vez mais fascinada com uma natureza tão exuberante.
Não sabe, a tal menina muito velha, quanto tempo andou por lá. Perdeu a noção do dia e da noite. Quando se deu conta, achou que era altura de voltar, de regressar ao seu caminho, aquele que a levava à sua casa com paredes de vidro. Mas, como que por magia, um nevoeiro denso envolveu a floresta e por mais que tentasse não encontrava de maneira nenhuma o caminho de volta. Caminhou, então, horas e horas, dias, meses, ao acaso em busca de uma saída. Tinha de a encontrar custasse o que custasse. Para que lado ficava o Norte? Onde estava o Sol ou a Lua para a orientar? Nada...só nevoeiro cada vez mais denso, pesado.
Foi então que se abeirou, sem saber muito bem como, de um precipício. Lá bem no fundo o mar calmo, no seu vai e vem constante, espalhava espuma nas rochas. "Vem ter comigo, menina muito velha que tudo julgavas saber. Salta e funde-te comigo. Para trás só tens nevoeiro e as paredes de vidro da tua casa estilhaçaram-se. Vem e esquece."
À beirinha do precipício, houve um derradeiro momento em que a menina muito velha lamentou ter-se esquecido daquele livro que por distracção não lera, de ter entrado na floresta desconhecida por curiosidade. Mas sentia-se tão cansada, tão cansada de tantas horas perdidas, de tanto caminhar sem rumo certo, que se deixou cair e fundiu-se com o mar.


Probabilidades

Quantas probabilidades existem de sairmos à rua e sermos atropelados por um camião? Depende. Se caminharmos pelo meio da estrada essa probabilidade aumenta; se por um acaso até formos pelo passeio, há ainda a infima probabilidade, o acaso, de surgir um condutor bêbado que o suba e nos mate. Mas podemos minimizar os riscos de que essa probabilidade ocorra ou mesmo até evitá-la, não saindo à rua por exemplo.
Por outras palavras, se queremos realmente reduzir a probabilidade de que algo aconteça na nossa vida, algo que não queremos, temos mesmo de evitar "andar pelo meio da estrada" ou simplesmente "não sair de casa".
Quantas probabilidades há de nos apaixonarmos por alguém? Algumas, dado que vivemos em sociedade e esta é composta por milhões de pessoas, mas muito poucas probabilidades se não quisermos de todo que isso aconteça. Basta fecharmo-nos, evitar um olhar, uma conversa...virar as costas. O que fazer então quando, certos e seguros de que o tal acaso não nos vai bater à porta, este acontece e da última maneira que julgávamos possível?! O que fazer se apesar de todos os cálculos, avaliações de risco, abrimos a porta e o camião entrou pela nossa casa dentro. Foi-se a mobília, foram-se as certezas e as seguranças cuidadosamente construídas. O que fica? O que se faz?

sábado, 25 de dezembro de 2010

Um Sábado como outro qualquer

Hoje é dia de Natal, excepto para hindus, budistas, xintoístas...e para mim. Hoje é um Sábado como outro qualquer.

Como qualquer outra pessoa, nada e criada em país de tradição cristã-católica, fui habituada a vivenciar intensamente certas festividades tradicionais. Cresci num bairro popular da velha Lisboa "de outras eras", onde até mesmo os pobres tinham uma mesa composta na quadra natalícia. As prendas vinham só nessa altura e nós, as crianças, esperávamos um ano inteiro pela manhã mágica de 25 de Dezembro para vermos o que o Menino Jesus nos tinha deixado no sapatinho. Na véspera comia-se bacalhau cozido com couves, ia-se à Missa do Galo e depois, só depois, se atacavam as fatias douradas, as filhozes e a aletria. No dia seguinte era o peru, imenso, recheado e uma tarde em pijama, junto à árvore cheia de luzes, a ver o filme "Música no Coração".
Mas o tempo passa e as sociedades estão sempre em mudança...nós mudamos. Manter tradições que tendem a se perder num oceano de individualismo e consumismo, não é fácil. Pior ainda quando, em determinadas alturas da nossa vida fizemos escolhas e todas as escolhas, certas ou erradas, têm consequências.
Hoje não é Natal...é um Sábado como outro qualquer.
No espaço de menos de um ano vivi o improvável e revendo, agora, momentos passados, dou-me conta de que as minhas escolhas me conduziram ao fim de uma história de vida sem retorno possível.
Hoje, um Sábado como outro qualquer, sem verdadeiramente o ser, dou-me conta que o possível reside apenas em mim, porque os outros estão de passagem e nada é eterno.
Não vale a pena apegarmo-nos a tradições, coisas, pessoas...Este é um Sábado como outro qualquer.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Direitos Humanos

Estamos acomodados ao nosso "pequeno mundo"...confortáveis. As nossas preocupações nada são quando, em terras tão distantes, os direitos humanos são sistematicamente violados, seja por força da fome, da falta de cuidados de saúde, da tortura. Como podemos ficar indiferentes?!



Nota: a mutilação genital feminina é praticada aqui em Portugal e mantida em segredo. Ao Hospital Amadora-Sintra chegam jovens guineenses muçulmanas com hemorragias dela resultantes.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

In extremis

Querer viver intensamente é pecado,
meio caminho andado
para a desilusão.
Acabamos sempre sozinhos,
insatisfeitos,
no meio da multidão.

Onde estás, coragem?
Porque me deixo levar assim?
Quando aquilo que quero para mim,´
está mais longe e mais alto?!
Porque não me atrevo a dar o salto
para a outra margem?!

Que absurdo é viver
com regras e imposições.
Que absurdo é fazer, porque tem de ser,
por medo de retaliações.

Ponho a máscara da normalidade
consentida.
Controlo esta ansiedade,
descabida.

Eu quero, eu preciso do in extremis.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Paulo

Tem 15 anos, ele. O que se sabe da vida? Um quase nada. Mas, nesse quase nada adivinho já muitas desilusões e desatinos. As suas mãos são feitas de dedos nervosos e o olhar é ansioso. A roupa que cobre o seu corpo magro está mal cuidada. Tudo nele é um desalinho.

A folha que lhe dei está em branco. Separou a carteira dele de todas as outras e eu deixei. Ficou assim, tolo, no meio da sala, afastado de tudo e de todos. Entre nós um corredor de pequenas cabeças debruçadas sobre o trabalho. Silêncio. Não uma provocação, mas um pedido mudo de ajuda...eu sei...adivinho-o.

Vou até é ele e peço-lhe, baixinho, que se levante e venha comigo até às largas janelas da sala. "Para quê?" pergunta-me, confuso. Insisto.

Olhamos os dois lá para fora. "Repara, Paulo, como é bonito o Outono." Ele ri-se e em jeito de desafio diz-me que só vê mato, lixo. "Estás enganado. Olha lá com atenção. Não vês as cores das folhas das árvores...os castanhos, os amarelos...e a chuva a bater nelas? Vão acabar por cair todas."

Novo silêncio. O Paulo quer desviar os olhos das árvores que lhe mostro. Poiso a minha mão no seu braço e digo: "Olha, as coisas são mesmo assim. Daqui a uns meses volta o verde e vai ficar tudo bem. Gostaria muito que ainda cá estivesses para vermos isso. Agora volta para o teu lugar." Obedece. Deita a cabeça, sobre os braços, na carteira. "Vai passar, Paulo, acredita."

Nota: o Paulo é um jovem em risco de abandono escolar.


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Queres ser tu?! Mas desde quando te é permitida tamanha insolência?!
Talvez seja possível, sim. Mas sê-o para ti mesma e esquece os outros.
Os outros...! Quem são os outros? São formas, rumos, entes separados de ti, com consciência própria e que vês através de um vidro. Intocáveis. Mas tu também não sabes como tocá-los, nem eles te sabem tocar a ti. E porque o haveriam de saber?! Obrigas-te, a cada dia que passa, a reproduzir modelos de comportamento que nada têm a ver contigo. Incorporas  ideias e sonhos que não são os teus, por medo de pareceres diferente. Tu és diferente! Não te agridas mais. Sê quem és e esquece o resto.

Voa.Tantas vezes te disse para o fazeres! Não procures respostas para o que não tem resposta. Deixa que eles sigam o rumo que escolheram, por muito estúpido e vazio que te pareça. Não podes mudar o mundo, nem obrigar a que o vejam através dos teus olhos.

Voa. Parte. Há aves que percorrem os céus sem companhia e não são menos felizes por isso.

Lágrimas, dúvidas, impasses, são pura perda de tempo. Queres? Toma. Liberta-te do apego, porque a vida é efémera, passageira. O apego é, nada mais, que uma correia que aos poucos te impede de seres quem és e te submete a banalidade que detestas.
Voa....voa...de uma vez por todas e sê a ave solitária que sempre foste.

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
(...)
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

Florbela Espanca

sábado, 27 de novembro de 2010

Mulher de Negro

Vestida assim todos diriam que era, certamente, uma viúva ainda a carpir a perda.
Lá passava ela, todos os dias, sempre pelo mesmo caminho, de cabeça erguida, sorriso nos lábios, com aqueles trapos negros sobre o corpo e adivinhavam que ela escondia, escondia uma qualquer mágoa e fazia de conta que não. Uma mágoa, um desencanto pelos Homens e pela vida.

Vestida assim, ninguém diria, quantos sonhos sonhados no segredo da sua alma, quantas perguntas sem resposta e com quanta solidão caminhava.

Em menina olhava o Tejo e ria, de nariz encostado à janela. Imaginava que o mundo um dia estaria a seu pés e que tudo alcançaria. As dores eram passageiras e nunca, para ela, existiriam barreiras para fazer como as gaivotas, bater as asas, roçar as águas e conhecer mundo.

Viajou em pensamento e acreditou que o ser humano era naturalmente bom. Crédula e pequenina com uma libelinha. Cabeça de vento.

Vestida de negro, como se de uma couraça se tratasse, protegida, escondida e perdida no meio da multidão, na sua redoma já sem ilusão, percorre por dever ou indiferença o mesmo caminho até que o fim dos tempos acabe com aquele andar sem rumo.

Não é viúva, não, aquela mulher de negro. Os seus olhos já não procuram. Os seus sorrisos são para acalentar os outros. As suas vestes são as de alguém que está de partida, já assim adornada, para se ir desta vida.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Inteligência

Inteligência, o que és sem a experiência, sem a aprendizagem?
Para veres mais longe e mais alto, tens de tudo observar e sentir todas as provações.
Inteligência, o que és se não deres as mãos à curiosidade e ao desejo de conhecimento?
Sem fome do saber, sem a percepção da natureza humana, sem a necessária intuição, não és nada!

Ficas cega se te deixares tomar pelas emoções.
Incorres em enganos se te deixares levar pela indolência.

Existem seres humanos fora do vulgar, fruto de uma capacidade imensa de usarem a sua inteligência, sem nevoeiros sentimentais e momentos passionais. Entrega ao humano banal? Só em casos excepcionais. Procura o mais...o transcendental.

A inteligência pede o novo, o desafio, criação e renovação. Nada de paragens no tempo, nem de comodismos e renúncias. In extremis alcançar o possível e o impossível.

sábado, 20 de novembro de 2010

Fantasma

Sou um ente volátil e primário.
Não tenho nem forma, nem cor.
Percorro um caminho solitário,
onde não há alegria, nem dor.

Atravesso paredes,
corpos e pensamentos.
Para mim não há muros, nem redes.
Sou livre e sem impedimentos.

Plasma.
Sombra que ri e chora.
Fantasma
que quer tomar forma.

Entre dois mundos, invisível,
navego sem rumo.
Tento alcançar o impossível,
mas acabo por me desfazer em fumo.
O infinito chama por mim.
O infinito chama por mim.
Quero alcançar a eternidade,
onde não há princípio, nem fim.
Devo partir sem qualquer saudade

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O baloiço

Para trás e para a frente
num impulso desmedido,
toco os céus com a minha mente
e reencontro algo há muito perdido.

Volto à terra de passagem.
Mas num movimento incansável
julgo tocar a outra margem.
Sonho quase tangível.

Não te vejo,
lá no alto, meu desejo.

sábado, 13 de novembro de 2010

Hino à liberdade e ao verdadeiro amor

Estou de partida. O sonho esmorece. O hoje já não tem nada a ver com o ontem. O verdadeiro amor é feito de cumplicidade e respeito, É feito de vontade e impulso. É feito da necessidade imperativa estar com o outro, seja por uma simples mensagem de bom dia ou boa noite. No verdadeiro amor,  o outro é prioritário e é procurado como uma necessidade. A busca do conflito, os esquecimentos, nada mais são que a vontade de pôr termo, de forma consciente ou inconsciente, à rotina banal que já não atrai, que se tornou demasiado usual. Liberdade. Precisa-se de um voador que queira romper com a mordaça das conveniências, que se marimbe no julgamento social.
Recuso-me ao habitual. Não me vergo ao suposto amor, trivial. Estou de partida,



sexta-feira, 12 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sou...

Sou pensamento, sonho e razão.
Alma dividida que se alimenta de realidades e fantasias,
que procura o caminho certo com determinação,
mas que lhe escapa todos os dias.

Sou pessoa, sou mulher, sou feita de ar.
Hoje estou aqui, amanhã onde estarei?
Não sei.
Já aprendi o verbo amar.
Já li e reli todas as filosofias e teologias possíveis,
em busca de respostas para esta ânsia de liberdade
e ao mesmo tempo para este desejo da sua ausência,
para este meu absurdo de existência.

Quero pensar menos e sonhar menos.
Quero que a razão tome conta de mim.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A libelinha e o escorpião

Andava a libelinha nos seus voos rápidos e inquietos sobre o lago, quando se deu conta que na margem estava um estranho bicho a tentar entrar na água. Curiosa quis ver de perto a criatura e por isso voou  até ela, mas manteve-se a boa altura, não fosse tratar-se de algum predador que a comesse. Percebeu, então, que se tratava de um escorpião e viu nele coisa perigosa e incerta. Mas, uma vez mais movida pela curiosidade, abrandou as asas e baixou até junto dele, mas ainda a uma distância segura. A libelinha perguntou-lhe o que fazia ele ali, à beirinha do lago. O escorpião respondeu-lhe: "Quero voar contigo, mas não posso. Não tenho asas." e contou-lhe outras coisas que tinha bem guardadas dentro da sua carapaça.
Todos os dias, desde então, a libelinha voa até ao escorpião e conversa com ele. Perdeu o medo de ser atingida pelo ferrão, já poisou sobre as suas costas e tentou, agarrando-o com as suas patas, elevá-lo e mostrar-lhe o lago lá do alto. Mas, o escorpião é pesado, espernei-a e por vezes mostra o seu ferrão. A libelinha bate as asas e afasta-se, pelo sim pelo não. Regressa, confusa, em espirais e voos razantes, até poisar de novo.
A libelinha e o escorpião apaixonaram-se. São dois seres antagónicos, mas que guardam dentro si parte um do outro. O escorpião tem as asas da imaginação e voa com elas, embora o voo nervoso e incerto da libelinha o desconcerte. A libelinha procura bater as asas com mais calma e sente-se bem quando poisa junto a ele. Mas sabe que corre um risco - se um dia aquele ferrão a atingir ela nunca mais poderá voar e morrerá. O escorpião sabe que a libelinha pode voar de um momento para o outro, movida pelo medo ou pela insegurança. Ambos não querem que isso aconteça, porque se completam, se entendem e aos poucos entraram na alma um do outro.
A libelinha anda a magicar na forma de tirar aquele ferrão ou envolvê-lo em algodão, sem que ele se dê conta. Poderá, então, apesar da sua aparente leveza e fragilidade, agarrá-lo bem com as suas patas e levá-lo com ela, bem para além do lago, para uma terra onde o sonho e a fantasia se tornam realidade.


terça-feira, 9 de novembro de 2010

O poço

A descida ao fundo do poço fez-se lentamente. Foi um resvalar por paredes viscosas, sem pontos de apoio, sem dar por nada. Apenas me dei-me conta disso quando senti a humidade, a estranha escuridão que desalenta e uma nesga de céu cinzento. Onde estou eu? Como cheguei aqui? Tentei trepar. Reuni todas as forças que me restavam e tentei chegar à superfície sem sucesso. Bati contra as paredes na esperança que elas desmoronassem. Nada a fazer. O poço era a gaiola de onde parti, em tempos, e a porta voltara a estar fechada. Bati as asas e perdi penas na vã tentativa de me libertar. Desisti. Cansada encostei-me às grades e fiquei a olhar para o exterior, já sem vontade de lutar, sem vontade de nada a não ser deixar-me ficar.
Derrotada? Não podia ser derrotada e muito menos por mim mesma. Um novo esforço era necessário. Pedi ajuda e deram-me unhas de aço. Com elas começo aos poucos a trepar as paredes que me levam à superfície e estou quase lá. Quase, quase lá. O céu diz-me: "Anda voar. Tenho saudades tuas." E eu tenho saudades dele. Quando chegar ao cimo do poço, vou bater as minhas asas de tal forma que alcançarei as nuvens, a paz e a serenidade de que preciso.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Non, je ne regrette rien

Não, não me desculpo por nada do que fiz, nem me esqueço do que me fizeram - nem o bem, nem o mal. É-me tudo igual. Já paguei pelos meus erros e estou-me nas tintas para o passado. Quero partir do zero e recomeçar contigo...ou sozinha.

sábado, 23 de outubro de 2010

Desenchantee

Enviado por um colega.



Nager dans les eaux troubles

Des lendemains
Attendre ici la fin
Flotter dans l'air trop lourd
Du presque rien
A qui tendre la main

Si je dois tomber de haut
Que ma chute soit lente
Je n'ai trouvé de repos
Que dans l'indifférence
Pourtant, je voudrais retrouver l'innocence
Mais rien n'a de sens, et rien ne va

Tout est chaos
A côté
Tous mes idéaux: des mots
Abimés...
Je cherche une âme, qui
Pourra m'aider
Je suis
D'une génération désenchantée,
Désenchantée

Qui pourrait m'empêcher
De tout entendre
Quand la raison s'effondre
A quel sein se vouer
Qui peut prétendre
Nous bercer dans son ventre

Si la mort est une mystère
La vie n'a rien de tendre
Si le ciel a un enfer
Le ciel peut bien m'attendre
Dis moi,
Dans ces vents contraires comment s'y prendre
Plus rien n'a de sens, plus rien ne va

Tout est chaos
A côté
Tous mes idéaux: des mots
Abimés...
Je cherche une âme, qui
Pourra m'aider
Je suis
D'une génération désenchantée,
Désenchantée

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Relações Virtuais

Uma curta metragem da 7experimental.

Frase final:"E a sua vida daria um filme?" Daria e de que maneira!!!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A vingança

Em termos éticos, sobretudo na moral cristã, a vingança é tida como acção condenável - afinal, Jesus deu a outra face e até perdoou Judas. A vingança é um perpétuar de violência e numa sociedade em que ela fosse aceite de ânimo leve, não teriam fim os actos nela baseados e as suas consequências. Para mim é uma questão de justiça, ou seja, porque deixar impune quem fez o mal deliberadamente? Porque não obrigar a outra parte a sentir o mesmo que nos fez sentir? Há quem diga que a indiferença é a melhor forma de vingança, mas para quem? Para mim não é certamente e dou todo o meu aval ao ditado popular: "A vingança é um prato que se serve frio." Leve o tempo que levar, mais tarde ou mais cedo, ela cumpre-se, mesmo que indirectamente.

Kill Bill

Quentin Tarantino lançou o primeiro volume desta história fictícia em 2003. A vingança de Beatrix Kiddo é o tema central do filme. Um filme violento, cheio de impossíveis, que mistura vários géneros cinematográficos e musicais, com um resultado surpreendente. Ontem revi-o pela enésima vez e nunca me cansa. Aqui fica uma das cenas mais belas do final do 1º Volume.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sereia

Nas águas de Verão, à beira-mar, ela deixava-se ficar ao sabor das ondas rasteiras e imaginava que era uma sereia.
Arrastava-se, então, sob a areia e olhava para a praia cheia de gente e voltava para o mar, com vontade de lá ficar.
Nadava para mais longe, o mais longe possível, mergulhava contendo a respiração e fazia de conta que nada mais existia.
Da margem a mãe gritava-lhe: "Volta para trás...anda para aqui." Mas ela não queria regressar, porque nenhuma sereia pode viver em terra.
Terra seca, terra de gentes estranhas, barulhentas. O silêncio e a imaginação tomavam conta dela.

Confusão

Medo. Esperança.
Um dia de cada vez, mesmo que pleno de insegurança.

Puzzle onde faltam peças e onde não sei encaixar outras.
Persistência e coragem
mesmo percebendo que não tenho margem
que há coisas irremediáveis, insoluvéis.

Lilith perdeu-se há muitos anos atrás.
A tentação de fugir é enorme.
Fugir para onde, quando e como?
Tudo o mais são panaceias, entretantos, devaneios
para escapar à realidade.

Tic-tac, tic-tac, faz o relógio.
O tempo não pára.

domingo, 10 de outubro de 2010

Sonhos, projectos e metas.

Não concebo uma vida que se limite ao presente, embora seja adepta da máxima "um dia de cada vez". Sem sonhos, sem projectos e metas, corremos o risco de viver por viver e o deixar andar não encaixa com o meu feitio. Todos os dias repetimos gestos, cumprimos horários e obrigações, porque isso faz parte do sistema social em que vivemos mas, eis o mas, afundarmo-nos na mesmice dia após dia, acomodarmo-nos de olhar vidrado em frente a uma TV ou simplesmente metermo-nos numa cama e esperar que mais um dia amanheça, mais um dia igual a tantos outros, é dose. Ignorar a realidade com uns copos e conversa da treta, vai dar no mesmo.
Sonhar é fácil e quem não sonha?! Mas a força anímica para concretizar o sonho parte de nós. Eu sei que não é fácil e há sonhos impossíveis (ir à Lua, por exemplo), mas outros há que podemos alcançar com perseverança, trabalho e convicção.

Alturas houve, na minha vida, em que julguei que sonhar era uma anormalidade e que empreender a mudança seria um estigma de que nunca mais me livraria. Alturas houve em que tive medo (e ainda tenho) de enfrentar o desconhecido e desisti de projectos e metas, por julgar que não valia a pena. O tempo foi passando e passa, sim, muito depressa. Num mundo tão grande, com tantas coisas, porque me deixar ficar?! Porque não a revolução? Uma vez alguém me disse "a cada dia se morre um pouco". Outra pessoa, na véspera de morrer, disse-me: "Vive, não deixes de viver. Acabarás como eu." E vou acabar, sim. Todos nós!

Revolução. O mundo não seria o que é hoje se não tivessem existido homens e mulheres capazes de passar do sonho à acção. Muitos morreram pelas suas convicções, outros conseguiram mudar sistemas político-sociais e conquistaram a "imortalidade". Há que ter coragem e a coragem é uma das mais supremas qualidades humanas. É preciso agir.

Sonhos, projectos e metas. Sem eles não somos nada. Não há progresso, nem realização...só um intenso sentimento de frustração e uma vida perdida. Cada vez mais e mais e mais, sei que tenho de partir e voar. Abandonar medos, falsas seguranças e comodismos.  Lá fora há um mundo imenso que gira sem parar, cheio de lugares, gentes e modos de vida diferentes, que é preciso conhecer. Este país onde vivo já nada me diz e estou cansada dos mesmos lamentos, da mesma frase "que havemos de fazer", da mesma mentalidade de comadres, destituída de "sangue na guelra", plena de individualismo e de cobardia.

Voyage, voyage....


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Palavras

Palavras por dizer.
Palavras que se proferem em silêncio.
Palavras ditas que nada têm a ver,
com a verdade do pensamento.

Palavras escritas, tecladas.
Letras esparças,
verdades caladas,
inconsequentes.

É preciso saber ver o que está por detrás
das palavras.
É preciso saber lê-las e alcançar o seu significado
.

Construção

A cada dia que passa construímos qualquer coisa. Não me refiro a grandes obras arquitectónicas, mas a coisas simples, como uma ideia, uma amizade. No campo das relações humanas há construções que levam tempo, que precisam de bons alicerces, de paredes firmes e telhados que não voam com qualquer vento. Essas construções têm de ser cuidadas, pois se o trabalho de manutenção não for regular e bem feito, degradam-se e podem desabar. A menos, claro, que nos estejamos nas tintas para esse desabar ou até o desejemos.

http://www.youtube.com/watch?v=vEWXlrVfwQs&feature=related

Não me percas nunca mais (Miguel Gameiro)

Miguel Gameiro...muito bom. Do album "A Porta ao Lado". Afinal, ainda se fazem boas músicas e letras por cá. Pura poesia!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Parkour

Ouvi falar pela primeira vez no Parkour há coisa de dois anos, quando amigos da minha filha mais velha o começaram a praticar. Confesso que achei fascinante e desejei recuar no tempo para o poder fazer, dado que é uma arte que implica movimento, ultrapassar de obstáculos e liberdade.
O Parkour está a ganhar cada vez mais adeptos entre os jovens e, embora possa ser executado em qualquer espaço, é sem dúvida uma arte física urbana, que supera obstáculos feitos de cimento, grades e obriga o indíviduo a uma agilidade digna de um macaco.
Esta arte nasceu em França e não é um desporto radical, embora a exigência física e um certo grau de perigo nos possa levar a considerar com tal.
Eu adoro ver Parkour e aqui, para os meus lados, há um espaço onde ele é praticado.
Para quem quiser saber mais aqui ficam os link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Parkour  e http://www.parkour.pt/

Filhos

Pois é, já lá dizia o ditado popular "Quem tem filhos, tem cadilhos." Eu não sou excepção. Entrei na fase negra de qualquer mãe há já alguns anitos e a batalha continua - duas adolescentes é dose! Pior. Levo com elas em casa e depois nova réplica do terramoto na escola, onde sou massacrada com as mais variadas dúvidas existenciais e com os picos hormonais. Não estou esquecida do que se passou comigo quando tinha a idade delas e deles, mas....haja pachorra!
A minha filha mais nova completou os seus 13 anos e...deu-se a mudança. Levanta-se com duas horas de antecedência, antes de ir para a escola (que fica perto de casa) e esvazia o roupeiro, num veste e despe, veste e despe, sem parar. Anda irritada, mas como é extrovertida e sempre queixosa, lá vem enumerar-me diariamente as minhas extensas falhas como mãe - todos os dias, mas todos os dias "Mãe, temos de ter uma conversa séria." E todos os dias temos uma conversa séria sobre o colega que não se cala na aula, sobre o outro que é melga, sobre se aquela roupa se fica bem ou não, sobre eu não ouvir (tenho de ficar calada, não emitir opiniões senão está o caldo entornado). Os assaltos aos meus produtos de maquilhagem são constantes e destrutivos...mas nunca foi ela, é o gato que leva com as culpas.
A minha filha mais velha, quase a completar os 18 anos, recusa-se a falar. O namorado foi corrido por mim (embora goste bastante dele), mas não tenho orçamento para suportar os ataques dele ao frigorífico, nem mais boxers no estendal. Anda agastada, desvairada e sente-se vítima de uma enorme injustiça - era suposto, em vez de duas filhas adolescentes, ter três filhos (ele era o terceiro). Já esburacou quase tudo o que havia para esburacar - percings no umbigo, no lábio, na língua...e vêm mais a caminho. O dinheiro corre, para isto, para aquilo.
Filhas adolescentes são um desafio constante. Visto-me de paciência, mas há alturas em que tenho ganas de correr tudo à paulada. Mas, são o meu alento, o meu apego maior, a minha âncora.


sábado, 2 de outubro de 2010

Fico ou vou?

Estou aqui há muito tempo.
Faço parte do eterno, do infinito.
Foi um sopro, um momento do acaso, que me pôs neste mundo.
Nele conheci o amor e o ódio.
A paixão e a violência.
Acho que já vi e senti tudo o que é possível ver e sentir.

Quero partir, regressar ao cosmos.
Quero e não posso. Suprema tortura.
Não me chamem egoísta, porque o não sou.
Digam apenas que sou altruísta.

Quero ir, preciso de ir.
Podia até ficar. Assistir a degradação com complacência.
Mas, não. Não quero. Tenho esse direito.
Nem Deus, nem o Homem mo podem tirar.

Estou aqui há muito tempo.
Conheci o amor e o ódio.
A paixão e a violência.
Gritei em silêncio vezes sem fim.
Obriguei-me a chorar por mim.
Não há palavras, teorias, religiões que me tirem deste caminho.

Sou louca? Sou e quero lá saber...
Fico ou vou? Não sei.

Recordações...outra vez?!

Quantas coisas já tinha esquecido. Quantas memórias vagas, semelhantes a sonhos mergulhados na neblina do incerto. Locais, nomes de pessoas, coisas que fiz, loucuras. Nada como a memória dos outros para nos fazer recordar e espantar: "Eu fiz isso?!"

Foram, de facto, outros tempos, os dos anos 80. Lembrando um amigo que glorificou a "moda" Hippy, só me recordo mesmo da influência anglo-saxónica daqueles tempos. Claro que havia outros...mas nem davamos por eles. A nossa casa era o Bairro Alto, mas o Bairro Alto do antigamente - cheio de tascas, putas velhas e casas de fado. Lembro-me, agora, de uma vez ter abordado um prostituta de esquina, não sei porquê e ela me ter dito: "Não fale comigo, menina. Olhe que fica mal-vista." Era já uma mulher velha, mas recordo vagamente, de conversarmos várias vezes numa mesa de tasca e de ouvir dela conselhos. Que tempos aqueles!
Quantos de nós se perderam pelo caminho?! Quantos de nós já tivemos filhos, engordámos e perdemos cabelo?! Quantos ideais se foram em prol do que tinha de ser, tinha mesmo de ser de acordo com as regras desta sociedade.
Outras gerações vieram e com elas outras modas, outras formas de "curtir". Sem darem conta repetem modelos antigos, que julgam novos. Começam mais cedo o que começámos mais tarde.
O mundo continua a girar e os ponteiros do relógio também. A história repete-se, com algumas variações, ligeiras. Eu?! Continuo a vestir-me de preto.

Outra recordação

Reencontro

Há quanto tempo não nos viamos? Cinco, seis anos? Demasiado tempo. 
Passámos toda a nossa infância, adolescência e até parte do começo da vida adulta, juntas. Sei que não era uma pessoa fácil de aturar, que fugias de mim para não te massacrar - eu era um demónio! Hoje, quando fomos ao café na Rua da Lapa, lembraste-te logo da escada onde te tranquei um dia, quando vinhamos da escola. E rimos. Rimos, mas disseste: "Fiquei traumatizada com isso." Tinhamos que idade? Sete, oito anos? Não sei. Mas que má eu era! Não era uma questão de maldade...eu não sabia como, já naquela altura, exprimir de forma correcta o que sentia e desejava. Sofria. Sofremos. Que infância a nossa! Tu passavas horas intermináveis a dormir e eu, acelerada, desperta, lá ia moer-te a cabeça, atirava-me para cima de ti...lembras-te? E a tareia monumental que dei, por ciúmes, na outra Teresa, no quintal da tua casa...lembras-te?
Recordo as nossas idas e vindas do Bairro Alto, do Rock House (Jukebox). Dos bagaços, das garrafas de vinho verde, daquelas mistelas que faziamos - açorda de delícias do mar -, das minhas entradas intempestivas na tua casa, pela porta ou pelos muros dos quintais. Quantas vezes é que a tua mãe me pôs na rua? ahah
Nunca fui uma boa amiga, eu sei. 
Não foi a vida que nos separou...fui eu que me separei da vida e de ti. Eu segui os padrões, contrariada, que nos inculcaram desde pequenas e perdi-me. Tu resististe. Mas, hoje, estamos no mesmo impasse.

Hoje foi o reencontro. Estamos mais velhas, mais maduras, aprendemos muito...mas, somos nós outra vez. Quando te vi, a atravessar a rua, pensei: "Bolas, és tu...que saudades de ti!" Aquele abraço deu-me uma alegria enorme..."É a Teresa...a Teresa...!"

E a Teresa continua a ser aquela rapariga com uma vida interior imensa, reflexiva, cheia de coisas para dar e com muito para receber. Somos tão parecidas e nem demos conta disso. Tão, mas tão parecidas, que até os mesmos erros cometemos...

Disseste-me...tenho ainda as tuas caricaturas....volta a fazer isso, volta a desenhar e a escrever.

Já não vais escapar mais, Teresa. Voltei, para ficar.

Lembras-te?



Os meus agradecimentos a uma certa pessoa, que tornou isto possível indirectamente.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Amo-te

...e vou esperar por ti.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Outros tempos...

Eramos bandos perdidos, vestidos de preto e sem grandes ideias. Alguns diziam que sim, que as tinham. Mas o que apetecia era vaguear pelo Bairro Alto, enfrascar nas tabernas e mergulhar na música anglo-saxónica e nas caves, mais ou menos sórdidas. Usava-se o sabão para atinar o penteado, passava-se traço preto nos olhos e as botas da tropa compravam-se na Feira da Ladra.
Não me lembro o ano, nem o dia em que vi o Marc Almond a entrar na nossa "catacumba" - o Jukebox (ou seria ainda Rock House). Ficou-me esta canção  e recordo-a sempre, mas sempre...É a minha carta de despedida, necessária e exclusiva ...de mim? Não. Dos que não são dignos.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Quotidiano e enamoramento

Relendo Francesco Alberoni:

A vida quotidiana é caracterizada pelo desapontamento. Temos sempre muitas coisas para fazer: algumas de que gostamos; outras, a grande maioria, que nos são pedidas. (...) A ordem das coisas não nos tem como centro, não faz de nós o seu princípio inspirador; é o resultado das pressões que sobre nós se exercem. Aquilo que desejamos verdadeiramente não o realizamos nunca e, a dada altura, acabamos por não saber tão-pouco se o queremos.(...) Nunca nos sentimos compreendidos até ao fundo, nunca nos é dada uma profunda satisfação, jamais os nossos desejos e os dos outros se encontram completamente. É um estado que parece estar sempre para acabar, que julgamos impossível que continue assim, de modo tão estúpido,(...); anos opacos à espera não se sabe muito bem do quê, de desapontamento contínuo; anos sem história, sem felicidade verdadeira, em que "vamos andando".
A profunda atracção que o enamoramento suscita em cada um de nós é devida ao facto de introduzir nesta opacidade uma luz deslumbrante e um perigo total.

Francesco Alberoni, Enamoramento e Amor, Bertrand Editora, 1999

Desespero

Voltou a estar em mim esse profundo e inexplicável desespero.
Ontem bem, hoje nem por isso, amanhã não sei.
Vazio, indiferença, um quero lá saber feito de impaciência.
Tudo sempre igual, rotina, monotonia, cansaço.
A espera por algo que nunca virá, sei lá.

Desespero de ser quem sou, como sou e não conseguir...ser outra.

domingo, 26 de setembro de 2010

O absurdo...divagações

Os filósofos existencialistas debruçaram-se sobre este tema do "absurdo", mas é Albert Camus aquele que, com o "Mito de Sísifo", nos transporta em pleno para grande questão- a vida merece ou não ser vivida? Uns fazem-se matar pelas suas convicções ou morrem porque perderam a razão de viver. O que está em causa, uma vez mais, é se a vida vale realmente a pena.
Afinal, se pensarmos bem, não fomos nós que determinámos a nossa existência. Calhou. O que fazer depois?
Vou esquecer Camus, que muito admiro e partir para a minha própria reflexão.

Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar uma enorme pedra até ao alto da montanha. Quando chegava ao cume, a pedra rolava e, novamente, Sísifo tinha de voltar a pô-la no cume. Esforço inútil? Depende.  Depende e muito de haver ou não um objectivo nessa tarefa. Sísifo não o tinha...era um condenado. Estaremos todos condenados? Não creio. A pedra não tem de rolar necessariamente montanha abaixo. É uma questão de persistência, de convicção. O problema é que, muitas vezes, essa pedra é empurrada sem vontade, por dever. Mantém-se por uns tempos no topo mas, depois, inevitavelmente, volta a rolar porque em nada corresponde às nossas aspirações ou porque permitimos que outros intervenham no processo e, sem darmos conta, distraídos, a deixamos rolar. Os outros. Sempre os outros. O dever sem gosto, nem vontade. As aspirações que se perdem, a fraqueza de seguirmos em frente, o medo de não sermos capazes. Isto é, para mim, o absurdo.

Será que a vida merece ou não ser vivida? Merece ou tem que ser vivida? E que vida? Existência pura e simples, feita de conformismo, sujeita a regras que não foram criadas por nós? Batalhas cansativas e tantas vezes inúteis? Não sei.

A vida é feita de esparços momentos de alegria, alguns de morno contentamento. É feita de derrotas e vitórias. É feita de lágrimas e desesperos. Mais um absurdo! Mas nós somos absurdos. A sociedade em que vivemos é absurda.

Todos os dias, tal como Sísifo, empurro a minha pedra até ao alto da montanha. Tenho momentos em que quero virar as costas aos deuses e optar pelo descanso da não existência. Mas, o amor, esse sentimento difícil de definir, obriga-me a continuar, não querendo. Não é um amor qualquer, feito de rotinas e banalidades. É vida, no seu verdadeiro sentindo. Será mais uma ilusão absurda?

Vou continuar a empurrar a minha pedra, tal como Sísifo. 




Escrever...segundo Marguerite Duras

Não me tem apetecido escrever, pelo menos aqui. Pego no livrinho de folhas brancas que alguém me ofereceu pelos meus anos e fico parada, a olhar, sem saber o que rabiscar. Os pensamentos, as ideias, voam em múltiplas direcções e tento apanhá-los, mas esfumam-se mal lhes toco. Preciso do silêncio, da ausência de preocupações e dos compromissos do quotidiano, das solicitações. Não consigo...é frustrante. Peguei no livro de Marguerite Duras e li isto:

É sempre necessária uma separação das pessoas que rodeiam aquele que escreve livros. É uma solidão. É a solidão do autor, a da escrita. Para iniciar a coisa, interrogamo-nos acerca desse silêncio à nossa volta.

Não encontramos a solidão, fazêmo-la. A solidão faz-se só. Eu fi-la.

Ver-se num buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total e descobrir que só a escrita nos salvará. Estar sem qualquer tema de livro, sem ideia de livro e encontrar-se, reencontrar-se, perante um livro. Uma imensidão vazia. Um livro eventual. Diante de nada. Diante como que de uma escrita viva e nua, como que terrível, terrível de ultrapassar. Creio que a pessoa que escreve está sem ideia de livro, que tem as mãos vazias, a cabeça vazia, e que não conhece, desta aventura do livro, senão a escrita seca e nua, sem futuro, sem eco, longínqua, com as suas regras de ouro, elementares: a ortografia, o sentido.
Marguerite Duras, Escrever, Difel, 1994

Nunca escrevi um livro. Quero escrever um livro. Preciso de o fazer antes que seja tarde demais. Já comecei e recomecei tantas vezes. Tudo me pareceram disparates. A papelada acumula-se. Não sou particularmente dotada, será isso?
Quero romper com todas as amarras, com todos os horários, com essa contingência que é ter de ganhar o pão de cada dia, mas não posso, não posso enquanto houver outros que dependam de mim. Sonhar com a tal casinha de campo, no meio do nada, é impossível de concretizar. Para escrever é preciso liberdade.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sensações

São como dedos invisíveis,
enguias que me entorpecem, isso das sensações.
Tudo se mistura sem distinções
e a imaginação voa para planos impossíveis.

Sou eu, irracional.
Me perdoem por me deixar levar assim,
por sensações...sem fim.
Não quero deixar o dito normal.

Quero seguir o caminho que escolhi,
sem obstáculos emocionais,
que quero ocasionais.
Estou a esquecer-me de mim...

Sensações. Emoções. Perigo.
Se me deixo ir, fico sem o meu porto de abrigo.
O que será, depois, de mim?!
De novo aquela solidão sem fim?!

Vou negar o que sinto?
Como, se os meus olhos te buscam a cada instante
e que estar ao teu lado é um prazer constante.

Se te disser que não te amo, minto.

E depois da morte?

Há questões para as quais não temos resposta e provavelmente nunca teremos. Uma dessas questões sem resposta centra-se em torno do que se seguirá após a morte. A ideia da inexistênca é insuportável para o Homem, pois o seu estado, aquele que ele conhece e sente, é o da existência. O infinito, a infinitude do Universo, leva-o a crer que ele mesmo será infinito. Mas, como a morte lhe mostra a destruição do corpo, apoia-se em ideias mais ou menos fantasiosas, de que continuará a existir de uma outra forma, num outro local. Eis que surge, então, a noção de alma - o corpo desaparece, mas há uma alma que vai para um paraíso ou reencarna. As religiões esforçam-se por confirmar essa ideia de que a morte não é o fim, aplacando assim essa angústia que a ideia da inexistência provoca. Há um deus ou deuses que supostamente têm tudo sob controle e cujos desígnios são incompreensíveis para nós, entes limitados e inferiores. "Tenham fé.", dizem-nos os entendidos. "Não entrem em pânico." digo eu.
Nada mais somos do que matéria, uma matéria consciente de si própria por ser dotada de um cérebro que o permite. Matéria que surge a partir de mecanismos criados pela Natureza e que, sem se perder, se transforma. A perda da consciência do sermos como somos é inevitável, pois a morte do cérebro leva-nos essa consciência.
Percam as ilusões. Somos infinitos, sim. Os vermes agradecem. A terra será fertilizada com as nossas cinzas e talvez nasçam flores. Matéria...apenas matéria.

domingo, 19 de setembro de 2010

Amar fora das regras...

Sim, é para ti este post, Moza.
Continuo a não saber muito bem o que é isso do verbo amar. A psicologia e a sociologia estão cheias de definições e distinções - paixão, fogacho, desejo, enamoramento, amizade, amor. Somos mesmo bichos complicados! As sociedades estabelecem regras e impõem paradigmas de relacionamento, de sentimentos. As mentalidades perpétuam tabus e a religião, seja ela qual for, aponta para a noção de pecado. Submetemo-nos a tudo isso. Temos medo de ser condenados, ostracizados, de perder o que foi conquistado à custa do nosso esforço...porque somos animais sociais e vivemos enquadrados num sistema do qual é difícil fugir. Outras espécies de mamíferos não têm esse problema pois não são racionais. Será?!
Amar é...não sei. Amar é possível? Ou repetem-se as mesmas histórias, hoje sem espadas nem cavaleiros de armadura, mas em mundos de pedra, individualistas e egoístas? As questões são as mesmas, ontem e hoje. Mas perdeu-se a pureza em prol do convencional e do material.
O que estamos nós a ensinar às futuras gerações?!

Aqui ficam dois poemas de amor babilónicos com cerca de 5000 anos:

Ela:"Vai-te, sono! Quero apertar nos braços o meu querido!
Quando me falas, alivias-me imenso o coração!
Ah, como te piscaria o olho direito...
Eis-me apaixonada pelos teus encantos!
À noite nao cerrei os olhos:/ Sim, estive desperta toda a noite, meu querido!"

Ele:"Sim, tu és a única que importa!
O teu rosto é sempre tão bonito!
Tal como antigamente,
Quando eu me agarrava a ti
E repousava em mim a tua cabeça!
Nada mais te chamarei além de "Sedutora",
E "Sábia" será o teu único título, para mim!
Que Isthar seja minha testemunha: de ora avante, a tua rival será nossa inimiga!"

Fonte: Georges Duby, Amor e Sexualidade no Ocidente, Terramar, s.d. (edição francesa de 1991)

Ghost Recon: Future Soldier

Preciso de voltar, urgentemente, ao Ghost Recon.
Para quem não sabe, Ghost Recon é o nome de uma série de jogos virtuais de guerra, assinada por Tom Clancy (vão à wikipédia, que eu tenho mais o que fazer).
O novo jogo da série - Future Soldier -, deve chegar a Portugal em Dezembro e promete muita adrenalina. Os gráficos parecem-me bastante bons, os novos cenários de combate interessantes e o equipamento do novo soldado conta já com tecnologias que constituem um desafio. Vou ter de investir algum dinheiro´em termos informáticos, mas um monitor 3D está fora de questão para já. Vamos aguardar que os preços baixem. Mas, a luva...ai a luva virtual! Estou bem arrependida de não ter aceite aquelas 3 horas extraordinárias...
Vou mesmo ter de reformular tudo, a seu tempo.

Aqui ficam as imagens empolgantes do novo jogo.




Uma luva virtual é um dispositivo de interacção semelhante a uma luva comum que, facilita o controlo na robótica e nas aplicações de realidade virtual.

Trovoada

Encosto o rosto aos vidros da janela do meu quarto. Sob os telhados cor de tijolo a cidade já dorme. Lá ao fundo o rio Tejo brilha sob os clarões dos relâmpagos que cruzam o céu escuro. Aguardo. Espero com ansiedade o som do trovão. Imagino que vai atingir o Cristo-Rei ou a ponte. Ou será que toda aquela "raiva" da Natureza é Deus a reclamar de alguma coisa?
Fiz hoje 11 anos. Tive a melhor prenda de todas - um diário. Tenho tantas coisas para lhe contar, a ele, ao diário. Mas estou à espera que Deus se decida ou a trovoada acabe.

Já passaram mais de trinta anos e ainda continuo a correr para a janela, uma outra janela, para ver os raios a cruzar o céu. O diário, a cheirar a bafio, lá está guardado...na estante.

Epitáfio

Num cemitério qualquer, cuja localização desconheço, há uma campa sem lápide e sem flores. Nela jaz um corpo que me mal recordo e cujo nome já esqueci. Esse anónimo que ao pó retornou, nunca teve um filho, nunca plantou uma árvore, nem escreveu um livro, engrossando assim a extensa fileira daqueles que nada legaram à Humanidade, nem deixaram saudades. Paz à sua alma.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

I'me free or not?

Muitas vezes, ao longo deste blog, tenho falado em voar. O que, afinal, representa isso para mim? Dar largas à imaginação? Romper com convenções, preconceitos, esquemas sociais? Não. Vai muito mais para além disso tudo. Inadaptação? Talvez. Loucura? Estou-me nas tintas para as definições sociais de sanidade mental.
É uma consciência bem interiorizada que este mundo não é o meu e que o vejo como se estivesse dentro de uma redoma ou a observar à distância. Fico pasmada perante normas de relacionamento social, perante leis e decisões político-governamentais. Não percebo convenções matrimoniais, patrimónios, ambições materiais e objectivos de vida que nada mais representam que um futuro incerto, quando a vida é efémera e o relógio não pára. Racionalizo ... mas é tão difícil!
Submeto-me às rotinas quotidianas e ao capitalismo, por mera necessidade de sobrevivência. Mas, o resto...esse resto...nada mais é que obrigação, uma obrigação cada vez mais penosa, porque estou cansada de viver. Sei que o tenho de fazer, obrigar-me à vida...mas está a ser tão difícil representar este papel.
Voar implica a coragem de ir para além de tudo isto. Implica uma decisão inabalável de rejeitar o medo e de assumir, concretizando, o futuro que quero para mim mesma. Não é necessário lutar...basta destruir os fantasmas que persistem na mente e seguir em frente.
 I'm free...i need freedom, not submission. I must go to another world. I am entering the pit of death. I need to sleep without no more nightmares. I'm tired.Mea culpa.

Hetero versus homossexualidade

Em primeiro lugar tenho de admitir que este é um tema para o qual me estou nas tintas. São-me completamente indiferentes as tendências, preferências sexuais das pessoas, da mesma maneira que me é indiferente se alguém gosta mais de bacalhau ou feijoada. A hetero ou homossexualidade não é uma opção, uma escolha e ninguém deve ser penalizado ou marginalizado por causa disso. Eu, pessoalmente, gosto de homens e ponto final. Então o que me leva a escrever este post se me estou nas tintas? Porque constato que, enquanto ninguém se rala se o amigo, o colega, o parente, prefere o tal bacalhau ou a feijoada, no que diz respeito à sexualidade é um...ai meu Deus! E esse ai "meu Deus" vem de ambos os lados - os hetero ficam incomodados com os homo e vice-versa. Depois há aquela coisa, para mim ainda mais incompreensível, do "orgulho Gay" - carambas, eu preciso e tenho de embandeirar em arco que gosto de feijoada? Não. Isso leva-me a pensar, porque não, numa parada do "orgulho heterossexual".  Mas estaremos todos doidos?! Será que as convenções sociais, os paradigmas de uma sociedade que se encontra em mudança, embora ainda com alguns restícios de conservadorismo, nos obriga a gritar: "Eu sou isto ou aquilo na cama?"

As mentalidades são, no âmbito da História, movimentos de longa duração (estruturas) sob os quais ocorrem determinadas conjunturas. Por outras palavras, devido a uma determinada conjuntura económica, política e social ocorreu a Revolução Francesa, mas a estrutura, a mentalidade, não mudou de um dia para o outro, pelo simples facto dessa mesma revolução ter ocorrido.

Se, hoje em dia, a homossexualidade não é tida como algo de normal em várias culturas, isso deve-se à tal barreira da mentalidade (movimento de longa duração) que não pudemos esperar que mude rapidamente, criticando quem não aceita, expondo pessoas que pensam de forma diferente ou, pior, envolvendo entes queridos que acabam por ser estigmatizados pela nossa impaciência de obrigar a sociedade em que vivemos a aceitar, quando ela não pode, nem sabe como, por mais razão que tenhamos.

Tenho duas filhas. Incomodar-me-ia que fossem homossexuais? Nada. Mas, se eu fosse homossexual, numa sociedade que ainda não está preparada para o aceitar, iria expô-las? Nunca e por uma e simples razão - amo-as mais do que a mim mesma e jamais quereria que elas fossem sujeitas, em prol da minha luta (por mais justa que fosse), ao ostracismo social.

Temos de ser realistas. Temos de lutar por aquilo em que acreditamos, mas com calma, porque as mudanças de mentalidade levam gerações - é um facto histórico.

Eu continuo a gostar de feijoada. Só uma minoria gosta de feijoada. Chateiam-me à brava por não gostar de bacalhau. Paciência! Se me melindro com isso, então há em mim uma insegurança, uma fraqueza, que eu tenho de resolver dentro de mim.

(este post está aberto a discussão)

domingo, 12 de setembro de 2010

Morning, sweet morning

Não. Não vou mudar. Vou seguir em frente e derrubar todos os obstáculos. Não quero compromissos, nem ausências. Não quero dependências, nem pendências. Vou seguir em frente, o meu caminho e nada me pode segurar. Sou coisa estranha? Fora do vulgar? Recuso-me a mudar. Toca a voar....

sábado, 11 de setembro de 2010

Poema sem rima...caótico.

Duas pessoas encontraram-se um dia como por mero acaso.
Não numa qualquer esquina  da cidade,
não num bar ou numa praia ao pôr do sol,
mas no mais provável improvável dos locais.

Duas pessoas, duas vidas diferentes a uma distância sem limites,
encontraram-se como por acaso...quando sonhavam com esse acaso.

Palavras foram trocadas e entendimentos realizados.
Na diferença havia, afinal, qualquer coisa de vidas passadas,
desejos sufocados, espantos e ansiedades que tiveram no verbo a sua expressão.
A forma, a cor, a paixão...tentação, desejo intenso de união.

O que fazer, quando duas pessoas se encontram assim, um dia, como por mero acaso
e vivem de ilusões,
remando contra a maré da realidade,
julgando o impossível possível?

Não sei. Não sei.
Quero voltar atrás no tempo e ao mesmo tempo não quero,
porque amar assim, coisa impensável, que já no passado foi amargura,
não se tornará numa pena, ainda mais dura?

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Aimee Mann - Wise up [It's not going to stop]

Não, não é cansaço...

Há em mim uma determinação inabalável
de viver sem o cansaço da repetição.
A necessidade de algo palpável,
que encha os meus dias de desafios e emoção.
Um desassossego que a não parar
vai acabar por me matar.
(Lilith)
...........................................................................................

Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
(Álvaro de Campos)

Regresso ao mundo real

Depois de oito Conselhos de Turma, repetitivos no conteúdo e aligeirados por umas quantas piadas oportunas, estou de regresso ao mundo real - o da escola. As perspectivas de trabalho não são as melhores pois os seis sétimos anos, que me calharam na rifa, aparentam vir a dar muita luta - cada turma tem 28 alunos, está carregada de repetentes com um historial que vai desde a criminalidade ao quase desconhecimento da língua portuguesa (Palops em barda), não exceptuando aqueles que foram literalmente depachados de outras escolas, em especial de uma que não prima pela disciplina, nem pelo bom ensino. Naturalmente, foi com alguma apreensão que cada um de nós, os "profes", digeriu ou começou a digerir o que vai ser este novo ano lectivo - os programas têm de ser cumpridos, os alunos têm de adquirir competências e a indisciplina pode vir a ser um obstáculo à concretização destas determinantes. Sem hesitações avancei com propostas de regime tipo militar a aplicar já no início e que foram bem acolhidas..agora vai de cada um ser capaz de as pôr em prática. O nosso sistema de ensino não nos permite ter a autoridade e o respeito que noutros países é prática comum e o novo Estatuto do Aluno não vem, a meu ver, reforçar a autoridade do professor, como foi feito em algumas comarcas espanholas.
Turmas de 28 alunos são uma aberração. Como pode o professor proporcionar um ensino individualizado àqueles que mais necessitam? Como conseguir, no mínimo, memorizar 178 nomes, muitos dos quais de origem africana? Não sei. Já passei por isto e sei o quanto é difícil.
O mais curioso no meio disto tudo é que contínuam a atribuir este tipo de turmas aos professores mais novos, aos que acabaram de chegar à escola, aos menos experientes. Há inclusivamente uma Directora de Turma, acabadinha de chegar, novinha e que nunca foi Directora de Turma. Como disse, em tom irónico, um dos "profes" veteranos nestas andanças: "Querias o quê...que dessem à velhas estas turmas?! Arreavam logo!" Teve piada. Aliás, ele tem sempre piada, em especial quando rematou com esta afirmação: "Se não tivessemos alunos destes, o ensino era uma monotonia."

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Hemerocallis

Hemerocallis são plantas cuja flor apenas dura um dia - desabrocham pela manhã e murcham à noite.
Alguns aspectos da natureza humana fazem-me recordar estas plantas pois, durante um tempo mais ou menos curto, apresentam-se luxuriantes e depois começam a decair, a morrer rapidamente. Um jardim assim, seca por falta de rega ou excesso dela.


Poemas de Bertold Brecht

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.

 
 
 
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quem sou...

Pensamento e acção.
Chama que arde discreta,
controlada,
mas que depois de ateada
tudo consome, sem permissão.

Sou a que vê para além do impossível,
e se esconde no vulgar
à espera de romper com tudo
alcançando outro patamar irreversível.

Quero tudo e nada.
Imparável, desdenho rédeas
prezo a liberdade e odeio falsas comédias.
Quero viajar nas asas do sonho, sem impossíveis,
Destruíndo as barreiras  até ficar esgotada.

Sou Liltih, o ente primordial.
E assim serei até ao final.


Quem ama mais? Tu ou eu.

É comum no início dos relacionamentos ou na sua fase de decadência, um dos parceiros achar que ama mais o outro.  No segundo caso, ou o amor desapareceu ou é unilateral ou nunca existiu. No primeiro caso, na fase inicial e mesmo numa relação consolidada, creio que é impossível medir o grau de amor que uma pessoa tem por outra, porque cada um de nós ama à sua maneira. O sentimento pode ser igualmente intenso nos dois mas, por uma questão de personalidade, a forma de expressar esse sentimento varia e não tem de ser igual - somos criaturas únicas. Eu acho que não são as palavras afectuosas que profiro que definem o meu grau de amor, mas sim os meus gestos, os meus actos para com o outro, o meu assumir de compromissos e o saber respeitá-los. A melhor medida do amor não se reduz a quantificar quem faz mais isto ou aquilo, mas sim no bem-estar duradouro que cada um sente junto do outro e no crescimento contínuo de cada um dos parceiros, enquanto seres individuais, e do casal como um todo.

Eu não sei se amo mais ou menos. Só sei que amo e quero que "seja eterno enquanto dure".


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Juro que sou robusta...

Ontem, quando me apresentei na escola, tive de escrever uma declaração mais ou menos nos seguintes termos: "Eu, (nome), declaro por minha honra possuir robustez física e psíquica para o exercício de  funções docentes...." Isto, pode ser entendido de várias formas, mas o que me veio logo à cabeça foi...vou para a Faixa de Gaza. Questionável é, sobretudo, eu declarar por minha honra (onde não pára ela!) uma coisa que só realmente uma equipa formada por um neurologista, um psiquiatra, um cardiologista e um Sargento do Exército teriam autoridade para confirmar. Num português abandalhado, como a situação requer, uma colega minha disse: "Essa declaração é pr'a gente dizer que mesmo coxas e passadas dos miolos vamos levar a coisa mais ou menos."  Pois vamos, penso eu, com pouca convicção e recordo o Abel. O Abel é professor de Educação Física, ex militar, e costuma "matar" os putos logo no primeiro período. Este ano tenho de lhe sugerir treino militar para professores, porque a minha robustez física e psíquica amoleceu com as férias e o que me espera...só com bazuca e lança-chamas.




quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O suicídio

A moral cristã condena o suicídio, a eutanásia, o aborto. Parte-se de um pressuposto de que a vida é uma dádiva divina e como tal deve ser aceite e preservada. O suicída é considerado um louco, alguém que sofre de uma depressão e tem de ser tratado. Porquê? Porquê este medo angustiante da morte, quando ela é o destino de todas as coisas vivas? Por que razão não pudemos ter a liberdade de escolher o quando e como a vida, tal como a conhecemos, deve acabar?
Não poderá o optimista tomar decisões nessa matéria? Eu amo a vida mas posso, por uma questão de controle sobre a mesma, recusar-me à degradação e estabelecer o quando e o como. Não sou menos feliz por isso. Posso desejar sair em grande estilo, como um actor que abandona o palco, entre aplausos, ainda no auge da sua carreira.
Poder escolher se desejo viver ou morrer é liberdade, a maior das liberdades. Não me lembro de nada antes do meu nascimento, pois não existia. O regresso à não existência não é mais do que isso mesmo. Nada se perde, tudo se transforma, como dizia Lavoisier.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Alessandro Bavari - surrealismo

Cansaço...desta sociedade!

Escrever...porque sim.

Palavras dispersas, amontoados de ideias, de sentires, de sonhos e pesadelos. Dar ordem e sentido a tudo isto nem sempre é fácil. Escrever...porque sim, porque é libertador, como as lágrimas ou os sorrisos. É um bater na redoma do eu que me envolve, na esperança que se parta de uma vez por todas e consiga fazer parte de algo, de alguém, do todo ou, simplesmente, do nada que adivinho.

Palavras dispersas, sentimentos que já não sei como expressar, num mundo que se quer calado, mudo e quedo, sem tolerância, sem aceitação da diferença e preso num individualismo que nada tem a ver comigo.

Palavras que ora são rugires de raiva, outras vezes de amor e outras ainda feitas de silêncio...o peso do silêncio, da ausência. Castigos com palavras ou sem elas.

Escrever...porque sim. Porque sem a escrita, sem a palavra, afundo-me num poço sem fim e desejo o nada.

Mãe à beira de um ataque de nervos

Lá diz o ditado popular que "Quem tem filhos, tem cadilhos." Pois é, eu não sou excepção. O que fazer com três adolescentes em casa (um deles adoptivo...ou melhor, eu é que fui adoptada), mais um gato gordo e lustroso que só pensa em comer?! É roupa e mais roupa para lavar e passar; comem que nem alarves...tachos e mais tachos, bolachas...caos! Fugir, emigrar, não posso. Só vejo uma solução - vou fazer um "pente 4", vestir uma farda do III Reich e de pingalim na mão pôr esta malta toda a trabalhar.

Há quem pense que sou feita de granito e de uma resistência inabalável. Engano. Assumo as minhas responsabilidades e até vou aguentando os embates mas, carambas, sou gente...

"Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inlcusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida."

Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'

Ensaio sobre a Liberdade

A Liberdade, enquanto independência do ser humano, é um mito. Para sermos verdadeiramente livres a todos os níveis, teriamos de ter nascido longe da sociedade, longe dos outros. A única liberdade que verdadeiramente conheço é a do pensamento e mesmo essa, quantas vezes por razões éticas, educacionais e outras, a sufocamos.
A Liberdade é um mito pois estamos sujeitos à família, às normas sociais, às leis do Estado e até àqueles que amamos. Por isso, no indivíduo que deseja ser verdadeiramente livre, surgem as contradições, os desesperos.

Sobre esta matéria a filosofia de Sartre vai mais longe - o homem é, antes de tudo, livre. "A liberdade humana revela-se na angústia. O homem angustia-se diante da sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para não ser livre, está condenado a fazer escolhas e a responsabilidade das suas escolhas é tão opressiva, que surgem escapatórias através das atitudes e paradigmas de má-fé, onde o homem se aliena da sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e ideologias que o isentem da responsabilidade sobre as próprias decisões."


Regresso às aulas

É o meu último dias de férias. Amanhã regresso à agitação de mais um ano lectivo: aulas, reuniões, fichas e mais fichas e as nossas "corridas" até ao portão para fumar um cigarrinho stressado. Confesso que sinto a falta desse outro mundo que é a escola, mas também sei que daqui a um mês começarão as habituais lamúrias do "estou farta", "estou cansada", "não dou conta de tudo", etc. Sempre quero ver que horário me vai sair na rifa.