terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Nunca me foi fácil pronunciar a palavra "amo-te". Não que não seja capaz do sentimento, mas embora em tudo o mais se me solte a verborreia, no que diz respeito a emoções, desejos, passionalidades, a palavra que deve ser dita, o "amo-te", não sai com a mesma fluência que as outras. Talvez não goste de banalidades e há tantas palavras que se dizem por dizer, sem pensar bem nelas, sem as saber distinguir de outras semelhantes, palavras que não têm o mesmo poder...um poder que vem da alma, quando é certo. Ora quando a ele, ao tal sentimento, se junta um vago medo da perda, não por motivos futéis mas por força dessa perniciosa sensação de que um dia, um dia talvez, o objecto de amor se vá porque a vida inclui a morte no seu caminho, então...só então, se deve dizer "amo-te". E esse "amo-te", feito de receio de perda, significa também felicidade que não pode ser mais contida, que tem de ser apregoada pelo que é dado e recebido, pela segurança e força que se encontra...ao lado de algo ou alguém que deu o "mais" e o dá, a cada dia que passa.

No nosso beijo te vejo, te sinto e me revejo.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Naquela alameda encontrei o amor

Naquela alameda, as árvores despiam-se a pouco e pouco agitadas por um vento invernoso, húmido. Folhas amareladas cobriam o chão e outras tantas esvoaçavam, perdidas, no ar. Não havia nelas a tristeza própria da estação, nem tão pouco a nostalgia de tempos idos, daqueles que não voltam mais.
Naquela alameda, onde tantas vezes ecoaram os meus passos solitários, vazios de sentido e sem a esperança do mais, encontrei o meu amor. Estava encostado, ele,  a uma árvore, com as asas fechadas, em compasso de espera. Esperando por mim, sem o saber, deu-me a sua mão e elevou-me às alturas, ensinando-me esse verbo tantas vezes confundido com dor e desilusão.
Naquela alameda onde as folhas esvoaçavam solitárias encontrei, num bater de asas, uma paz feita da certeza de que, afinal, voar a dois é possível e que o céu não é o limite, seja qual for a estação.

Amo-te, João, pelo que és, pelo que sou contigo...pelo que somos.


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Não, não vou por aí, como dizia José Régio.
Não...não vou, porque também eu nasci "do amor que há entre Deus e o Diabo" e é no inusitado, na contra-regra, na autonomia do ser e na sua diferença que me revejo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Umas vez mais as palavras, as palavras que o vento leva.
Que me dizem elas? Nada.
As intenções, os sonhos, só ganham forma concreta através das acções, dos gestos...não das palavras.

Cansa-me ouvir tanto! Cansam-me aquelas vozes que me tentam convencer, por palavras, que são feitas de honesta verdade. Mas, nelas apenas há a momentânea verdade da mentira, ignorante de si mesma.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

domingo, 9 de outubro de 2011

Engano

Houve um dia, há muito tempo, um tempo em que o relógio parou e nunca mais lhe voltei a dar corda. Estão parados, naquela hora, os ponteiros do relógio para que nunca eu esqueça o dia em que fui deixada, esquecida, ao sabor de um outro entendimento que julgava meu, mas não o era. De tudo fiz para matar a memória do que para trás ficou, mas hoje sei que é a recordação, esse relógio que parou de funcionar, que me lembra a cada dia que passa o engano e me alerta para que em mais nenhum eu caia.


sábado, 8 de outubro de 2011

Não há cobardia naquele soldado assustado que, sob o cair das bombas, cobre a cabeça com as mãos e chora pela mãe. É tão jovem, ainda, o soldado!
Não há cobardia naquele que já venceu tantas batalhas na vida e que, simplesmente, decide morrer por cansaço, porque a dor é insuportável e a morte prevista, porque sim, é o seu direito.
Não há cobardia no sono forçado, na vontade de esquecer por momentos um problema inadiável...por momentos, apenas.
Cobardia é o abandono de sonhos, de ideais, de um amor por medo, medo de perder o que se já tem mesmo que seja um quase nada ou um quase muito insatisfatório; medo de trocar o certo pelo incerto, mesmo que o incerto seja o certo.
Cobardia é desculpar-mo-nos com os outros, quando a fraqueza está em nós próprios.
Por último, cobardia é fazer alguém amar-nos, quando não temos a intenção de amar esse alguém.
O cobarde é um fraco. Um fraco apegado a si próprio e que se imagina forte. O cobarde bate de mão aberta no peito, chora rios de lágrimas, porque abdicou a favor de supostos fracos, quando nada mais foi do que o medo que a isso o levou. O cobarde mente, adia, cria dilemas, não enfrenta a adversidade, vitimiza-se, tem receio de perder a consideração social, o status quo adquirido. O cobarde é um condenado sem o saber...um condenado a uma morte em vida e ao desprezo daqueles que viram, sentiram, a sua cobardia.
Dos fracos não reza a História...

 

domingo, 14 de agosto de 2011

Auto-análise

Não é fácil olharmos para dentro de nós próprios e proceder a uma auto-análise, mas é uma tarefa necessária a que todos nos deviamos dedicar de tempos a tempos. Fazer um balanço, rever as nossas atitudes para conosco e para com os outros, procurar separar o que está bem do que está mal, ajuda-nos a crescer, a ser pessoas melhores.
Recentemente tive um comportamento inaceitável para com uma pessoa por quem nutria bastante apreço e carinho. Escusado será dizer que, ao dar-me conta do que tinha feito e das inevitáveis consequências desse comportamento, fiquei envergonhada e revoltada comigo mesma. Foi o suficiente para que me desse conta de que há muito tempo não fazia uma auto-análise e que me limitava, simplesmente, a atirar para trás das costas aquilo que me incomodava, esquecendo-me de que estava a amontoar uma enorme quantidade de lixo lá bem num cantinho escondido da minha mente e que esse lixo estava a interferir nas minhas relações com os outros, levando-me a julgamentos erróneos e precipitados. Não é fácil tal procedimento, porque ele obriga a uma espécie de desdobramento - olhar para dentro de nós, como se fossemos uma outra pessoa, com a maior das objectividades e com muito pouco envolvimento emocional.
Estou ainda a proceder a essa auto-análise e espero que dê bons frutos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Vida e morte

Espreita esfomeada a barata, naquele canto da sala. Mexe as antenas e, num corropio de patas, avança decidida para a migalha suculenta. Pelo caminho a minha vassoura corta-lhe a intenção. Uma, duas, três vezes leva com ela, com a vassoura que a acaba por varrer para um canto qualquer. Esqueço-me dela, da barata, mas as formigas não, pois andam atentas a coisas suculentas como aquela desgraçada. Uma vida, na sua morte, dá alento e alimento a uma outra vida.
Há nas pequenas coisas uma grandeza que nos escapa e que só com o tempo e muita sabedoria podemos alcançar. O que é uma lágrima passageira ou uma insatisfação momentânea, face ao espectáculo da Natureza, onde tudo se perpétua, renova? Mesmo no deserto, naquela areia tão aparentemente estéril, nasce uma flor.


terça-feira, 19 de julho de 2011

Reflecte...

"Reflecte sobre a velocidade com que tudo o que existe e virá a existir passa por nós e desaparece da vista. A substância é como um rio em perpétuo fluxo...e sempre ao nosso lado está a incomensurável extensão do passado e o enorme abismo do futuro, no qual todas as coisas desaparecem. Assim, como pode não ser louco aquele que no meio de tudo isto se incha de orgulho, ou tormento, ou lamenta a sua porção como se os seus problemas durassem por muito tempo."
Marco Aurélio, imperador romano do séc. II

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Deus?!

Que coisa é essa transcendental, omnipresente e divina que afirmam, alguns, ser Deus - "O" criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis?! Como pode o ser humano enquanto ser finito entender e infititude, se é isso mesmo...finito? A ideia de um ser supremo nasce precisamente desta nossa incapacidade de explicar o eterno que não é a nossa realidade, de explicar a vida em si e tudo o que de mau nela acontece. A morte que tanto nos assusta tem de ter uma explicação, um mais, algo mais para além dela, pois aterroriza a ideia da ausência do ser.
Somos matéria inteligente, integrada num Universo complexo, feito de sistemas solares (muito semelhantes aos átomos), galáxias e por aí fora, em movimento constante, onde se nasce, cresce, vive e morre.

Não queiras entender o infinito. Não busque um começo e um fim. Despega-te desse determinismo a que a finitude te obriga e encara a existência apenas como algo que é e sempre foi, sem princípio nem fim. Uma outra noção do cosmos.

Deus?! E quem criou Deus?! E quem criou o que criou Deus?! Esquece a ideia de criação. Nada se cria,  permanência em transformação é a base de todas as coisas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Não consigo escrever...por enquanto.

Não é por falta de ideias, nem de palavras para as expressar. Não é por falta de imaginação, porque essa continua a dar-me bons momentos de riso solitário ou leva-me a planar por locais que nem sei se existem. Tão pouco estou reduzida ao silêncio, dado que todos os dias falo com alguém, sobre algo, seja o que for, com maiores ou menores variações de conteúdo, seja ele banal ou surreal.
Acho que deixei de sentir a escrita como uma necessidade e não sei se isso é bom ou mau sinal. Talvez deva perder a mania de achar que tudo tem uma explicação, que tudo é sinal de alguma coisa quando, na verdade, não é coisa alguma, nem tem de ser. O que eu sei é que para escrever é preciso sentir e eu não sinto nada - nem a tristeza que liberta um poema, nem a alegria que pinta as letras com as cores quentes de uma gargalhada. Não sinto nenhum "solitário andar por entre as gentes", nem os extâses de uma paixão. Estou numa modorra literária, pois até o que leio, leio com o desprendimento de quem lê, por ler.
O que fazer?!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Democracia para que te quero?!

Não existem sistemas políticos perfeitos ou não fosse a Humanidade imperfeita. Imperfeita era a Democracia quando nasceu em Atenas, na antiga Grécia, pois o seu exercício encontrava-se limitado a uma minoria, a dos cidadãos e nem todos os habitantes da pólis tinham as condições exigidas para o ser. Hoje em dia, nos Estados que se pretendem democráticos, o conceito de cidadania alargou-se e, embora de forma indirecta, homens e mulheres participam na vida política, quanto mais não seja através da escolha daqueles que irão exercer a governação. Mas...eis o mas - como pode esse sistema, designado Democracia, ser verdadeiramente útil, eficaz, se uma boa parte dos cidadãos não tem qualquer formação política e muitos sofrem de iliteracia? Na antiga pólis ateniense, o jovem cidadão era educado para ser capaz de, um dia, poder participar activamente na assembleia, tomar decisões políticas e exercer cargos de responsabilidade. Hoje, nem tanto. Deu-se ao povo a ilusão da igualdade e o direito à livre opinião e à escolha...uma ilusão apenas, dado que carece do conhecimento e do discernimento necessários para o efeito. Assim, prevalece não verdadeiramente uma "democracia", mas antes uma forma de "ditadura" tão súbtil que nem damos conta dela - a "ditadura" de quem tem o conhecimento e os meios para manipular o conhecimento alheio, em benefício próprio.
Solução?! Passava por uma reforma séria do nosso sistema de ensino, por uma oferta de programação, na dita escola paralela (a TV), menos telenovelesca e mais rica em informação cultural e científica - os gostos moldam-se e os saberes transmitem-se.
Mas, a quem interessa a isto?!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

“Balanço” por Mário de Andrade

«Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial (...)»

Mário de Andrade

sábado, 11 de junho de 2011

A coleccionadora de cromos

Há muito tempo atrás, quando ainda era criança (onde já ouvi isto?!), coleccionar cromos era um daqueles passatempos infantis que mais apreciava. As cadernetas dos ditos eram motivo de orgulho e, aos fins-de-semana, lá ia eu com o meu pai até à estação de comboios do Rossio, onde vendedores com as suas banquinhas improvisadas, vendiam o que me faltava. Os cromos raros eram mais caros e havia aquela chatice de, ao abrir as carteirinhas, virem os repetidos, sempre os mesmos, os que toda a gente tinha e que nem para a troca interessavam.
Passaram-se muitos anos, desde então. Com o tempo descobri que também é possível coleccionar outro tipo de cromos, não dos de papel, mas de carne e osso e que, tal como no antigamente, também são produzidos em massa.
Numa daquelas noites de boa disposição, uma amiga minha disse e com carradas de razão: " Calham-nos sempre os cromos repetidos, porque os bons são raros."
Resta-me, assim, admitir que como coleccionadora de cromos sou uma lástima - repetidos, mais que muitos e de qualidade quase nada.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Nada

Era uma vez o Nada.
Que nada era já eu o sabia mas, mesmo assim, achei que algo fosse.
Por isso teimei naquelas que para mim eram evidências daquilo que eu julgava ser alguma coisa.
Inevitavelmente apercebi-me que nem evidências, nem nada havia onde pensava haver, porque o nada é assim mesmo - inexistência, vazio.
Nada a fazer, a não ser revoltar-me contra esse Nada, que não tendo razão de ser, teima em tomar o meu tempo com...nada.
Ora o tempo desperdiçado assim é pura perda dele, o que me leva a uma questão final: ou tudo ou nada?
Tudo, certamente.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Aurea Mediocritas

Só vive feliz quem se contenta com pouco e com aquilo que tem sem aspirar a mais - é esta a ideia que Horácio, poeta latino, procurava afirmar com a expressão Aurea Mediocritas...mediocridade.

Contentarmo-nos com pouco em nada contribui para a nossa evolução, pois é no mais que nos realizamos. O medo do desconhecido, do fracasso, faz-nos permanecer no mesmo, no certo e seguro. Resta, depois, a dúvida do que poderia ter sido a nossa vida, se tivessemos vencido esse medo e abandonado a mediocridade.
Felicidade? Só no simples não contentar-me já me sinto feliz.


domingo, 8 de maio de 2011

A casa

A sua casa era o seu reino e nele havia de tudo um pouco - candeeiros de diferentes formas e feitios; tapetes pequenos, médios e grandes, multicores; almofadas e mais almofadas,lisas, bordadas, com e sem franjinhas; móveis, um quase nada e livros, muitos livros em pilhas que ameaçavam desabar, mais outros tantos filmes sobre todos os assuntos possíveis e imaginários. A sua casa era assim como que um espaço em que tudo tinha uma razão de ser, uma ordem na aparente desordem. Cada objecto tinha um significado e um local certo para estar, embora nem sempre, para quem visse de fora, houvesse qualquer relação lógica ou estética na disposição do dito.
Em ocasiões muito especiais, sobretudo aquelas que assinalavam os finais de um ciclo de vida, agarrava numa vassoura resistente e desatava a varrer aqueles cantos da casa que já não faziam mais sentido e tinham de ser atirados para o contentor do esquecimento. Iam-se assim, com gestos bruscos, as porcelanas mais finas que criara com amor e que lhe pareciam, então, peças de um mau gosto tremendo. Iam-se assim, sem hesitação, quadros onde desenhara momentos que julgara únicos e até livros cujo conteúdo julgara brilhante, mas que haviam ganho o cheiro de romance de cordel.
Feita a limpeza, a casa ganhava novos espaços, limpos de passados, desejosos de futuro. Um futuro com novas cores que escolheria criteriosamente; com novos objectos que acariciaria sempre que passasse por eles, sem nunca deixar que o pó os fizesse esquecimento.
A sua casa é o seu reino. Um reino de realidades e fantasias, tão suas, que ninguém as pode entender e só a alguns, muito poucos, é permitido entrar.


segunda-feira, 25 de abril de 2011

Abril

Haverá algo de especial em determinados meses do ano ou somos nós que, por força da imaginação, queremos acreditar que sim?
Hoje, ao rever passado e presente, dei-me conta de que Abril é um mês de transição, de pontos finais e começos, de morte e renascimento. Não é apenas a Primavera, que chega realmente, malhada ainda de uns quantos dias intermitentes, cinzentos e chuvosos, que recordam vagamente um Inverno em agonia. Não é apenas aquele Sol que promete Verão, mas cujo ocaso desvenda ainda finais de tarde e noites frias. É...uma outra coisa feita de antónimos e de opostos não tão radicais mas que se fazem sempre sob o signo da mudança.
Seja como for, o mês de Abril tem um significado muito especial para mim, pois é durante o seu limitado percurso que, tal como as cobras, se me descola do corpo a velha pele, dando lugar a uma nova.
Em busca para uma explicação para a influência que o mês de Abril tem tido na minha vida, encontrei esta definição do mesmo na Wikipédia:
"Abril é o quarto mês do calendário gregoriano e tem 30 dias. O seu nome deriva do Latim Aprilis, que significa abrir, numa referência à germinação das culturas. Outra hipótese sugere que Abril seja derivado de Aprus, o nome etrusco de Vénus, deusa do amor e da paixão. É por esta razão que surgiu a crença de que os amores nascidos em Abril são para sempre. Outra versão é que se relaciona com Afrodite, nome grego da deusa Vênus, que teria nascido de uma espuma do mar que, em grego antigo, se dizia abril"

Abril é o mês em que tomo o meu primeiro banho de Sol e de mar...está tudo dito...ou não fosse o mês da Revolução!


domingo, 24 de abril de 2011

Borboletas

Não sei o que se passa mas há borboletas no ar.
São tantas, mas tantas, umas a esvoaçar,
outras poisadas em caules secos e flores por desabrochar...!
Batem contra as janelas, desgovernadas
e entram-me pela casa adentro sem pedir licença, desaustinadas.

Procuro as minhas antigas asas, aquelas que perdi
por amor?! Pelo nada que vivi.
Frenética procuro-as em todos os cantos da minha memória,
pois o que foi ou poderia ter sido passou à história.

São tantas, mas tantas, as borboletas no ar!
Vêm buscar a irmã que se perdeu, que se deixou ficar
iludida...esquecida da sua própria natureza
por uma outra feita de força que se revelou fraqueza.

Umas vez mais e sem vacilar,
encontro as minhas asas e vou voar.

sábado, 9 de abril de 2011

quinta-feira, 31 de março de 2011

Andorinhas

Saltitando de telha em telha, de fio em fio, os pardais desfazem-se em piados alegres sob a tarde amena. São a Corte que espera a chegada das rainhas da Primavera, que hão de voar soberanas e encher os beirais dos telhados com os seus ninhos de palha e lama. Vêm de tão longe essas rainhas estivais, as andorinhas!

Há muitos, muitos anos, uma certa andorinha acabada de chegar, poisou numa árvore e pôs-se a pensar naquele que seria o melhor lugar para o seu ninho. Viu uma janela aberta e resolveu espreitar. Deu conta de que era uma sala de gente pacata e calma, abrigada de frios possíveis e barulhos incómodos. A andorinha tomou uma decisão - fez ali, dentro daquela sala, numa parede próxima da janela, o seu ninho. E por ali ficou e criou os seus filhos.

Isto pode parecer incrível mas aconteceu mesmo. Os meus tios viveram alguns meses com um ninho de andorinha dentro da sala e nunca fecharam a janela para não impedir que a Natureza entrasse por ela.



1434 - Bojador

Determinados, os homens avançam para a barca que os há de levar para além do mar conhecido. Aventureiros, curiosos e destemidos, sabem bem que podem falhar no seu propósito de passar para além do Bojador e que, por teimosia daquele Infante, poderão nunca regressar. Dormirão ao relento, sob a chuva e o vento, batidos pelas ondas da incerteza e, talvez, por essa sede e fome próprias dos marinheiros de outros tempos. No cais, despedem-se de mulheres chorosas que veêm assim partir o garante do seu sustento, com promessas de abundância, caso tão arrojado empreendimento traga o esperado resultado. Doze anos de tentativas goradas de passar aquele Cabo, deixam-nas a elas, às mulheres chorosas, descrentes, duvidosas.
Içam-se as velas.
Já se fizeram ao mar, mas não muito longe da costa.
A barca baila sob a ondulação azul, cristalina, com cheiro a sal e a esperança.
Gil Eanes reza. Gil Eanes reza e faz cálculos e mais cálculos, medindo distâncias e até a sua própria vontade de agradar àquele teimoso Infante, seu senhor, pois o Bojador já se adivinha no horizonte.
Está tomada a decisão! O capitão-escudeiro grita: "Vamo-nos afastar cinquenta léguas do maldito cabo...é a única forma de o passar!"
 Batem, acelerados, os corações dos navegantes. "Será desta? Será desta?" gritam vozes caladas dentro dos peitos "Que mar de fogo nos espera se conseguirmos passar este Bojador?!"

1434, Gil Eanes e os seus marinheiros passam o Cabo Bojador, limite sul dos conhecimentos europeus, demonstrando que era possível continuar a navegar ao longo da costa africana.



terça-feira, 22 de março de 2011

Janela

Da minha janela veêm-se outras janelas. Através dela, da minha janela, a cidade quase adormecida, mas ainda viva sob o anoitecer de um sol que já se pôs, revela-me outras vidas que adivinho ou simplesmente imagino. Rotinas, solidões, gritos e discussões, alegrias esparças de quem se contenta em viver nesses ninhos de pedra que são, as suas casas. Ilusões, cansaços, cozinhas que se animam com refogados apressados, salas com televisores ligados para ajudar a evadir uma mente que se quer vazia de um dia tão aborrecido e igual a tantos outros. Há crianças que choram, que reclamam atenção. Há esposas que remoiem desfeitas antigas e homens que de tão calados e cansados, já nem sabem em que língua falar. Amores, ódios, rancores, pequenas alegrias e dores saiem, de todas aquelas janelas que da minha janela vejo, como vento de humanidade submetida.





domingo, 20 de março de 2011

Cozinhando pinturas

De tão cheios estavam os seus braços, tão cheios de coisas necessárias, que se viu na contingência de empurrar com o pé a porta entreaberta que separava os dois mundos - o de onde vinha e aquele onde ia entrar, agora, o da sua casa. Tudo teria corrido normalmente, apesar de todo aquele carrego, não fosse o terem-se embrulhado nas suas pernas os latidos e excitações que, em jeito de calorosa recepção, lhe deu o minúsculo animal de estimação. Sem amparo algum, foi-se-lhe o tal carrego, foi-se-lhe tudo, pois escaparam-se-lhe dos braços, os pincéis, os mexilhões, as bisnagas de tinta, as  massas e os berbigões. Estupor do cão... pensou, que tamanha confusão semeou!
Lá se recompôs e se baixou, empurrando com uma mão o bicho e apanhando com a outra os espalhados ingredientes com os quais pretendia confeccionar o seu menu do dia - uma pintura e um cozinhado ou, talvez, um cozinhado e uma pintura.

O tempo é inimigo do pintor e do cozinheiro, pois a arte não se faz pensando em horas e muito menos em minutos. A criatividade é coisa que requer impulso em liberdade, um deixar fluir sem relógios e nevoeiros de exigências. Por isso, depois daquele carrego de braços, da porta entreaberta que teve de empurrar com o pé e do histerismo afectuoso do animal ladrador, o pintor-cozinheiro correu para o fogão onde a fome dos filhos gritava e exigia, não a pintura, mas o cozinhado. Pegou, então, na panela e meio atordoado com aquela urgência, misturou as tintas com a massa e remexeu a panela com pincéis, sem mesmo se dar conta que na tela pespegava mexilhões com colheres de pau e nela largava golpes de faca.
Pintou, assim, na panela e cozinhou na tela. O resultado foi espantoso e por todos elogiado. A tinta azul, com pequenos laivos de amarelo, deu um sabor inusitado ao cozinhado, pois tinha sonhos misturados com aqueles traços apressados de vida indecisa. Os mexilhões deram à tela a cor de rocha batida pelas vagas do oceano e um cheiro a maresia de noites de Verão. Confuso, ficou o cão, que não sabia bem se pedinchar da tela ou da panela.

sábado, 19 de março de 2011

Bushido

O que resta do Japão de outras eras? Talvez subsistam ainda, longe das grandes metrópoles, no mundo rural, fragmentos daquela alma japonesa tão admirada por Venceslau de Morais . Após Hiroshima e Nagazaki, o Império do Sol Nascente teve de adaptar-se ao Ocidente, sob a égide do gigante capitalista, num mundo dividido em dois grandes blocos políticos, económicos e sociais. Soube fazê-lo, tornando-se ele próprio noutro gigante, fruto daquilo a que a História chama de "o milagre japonês". Acredito que, não haverá terramoto, nem tsunami que dobre essa alma japonesa e que nem mesmo a ameaça nuclear ponha fim a uma civilização, que é única e imparável.
Uma civilização que criou um código de conduta que se pauta por valores inquestionáveis de honra e fidelidade - o Bushido.

O Bushido, que significa "o caminho do guerreiro" era o código de conduta que devia ser observado pela classe guerreira (Samurais) no Japão feudal.  O conceito de honra é fundamental e extensível, não apenas ao samurai mas a todos, inclusivé às mulheres, sob pena de serem alvo de desprezo. Lealdade, etiqueta, educação, frugalidade e gratidão, deviam estar sempre presentes. A própria morte, dado que existia a crença numa vida para além dela, deveria ser honrosa e a única saída possível para uma falha imperdoável, insuportável para o próprio. Através do seppuku (suicídio ritual), o samurai podia recuperar a sua honra perdida:
"No mundo dos guerreiros, seppuku era um acto de bravura que era admirável em um samurai que sabia que foi derrotado, perdeu a honra, ou que foi mortalmente ferido. Isso significa que poderia terminar os seus dias com as suas transgressões apagadas e com a sua reputação não apenas intacta, mas na realidade reforçada. O corte do abdómen libertava o espírito do Samurai da forma mais dramática, mas era uma forma extremamente dolorosa e desagradável de morrer e por vezes o Samurai que realizava o acto pedia a um fiel companheiro que lhe corta-se a cabeça no momento da agonia."
The World of the Warrior (Stephen Turnbull)

O guerreiro é também aquele que procura o seu caminho, que tem um objectivo de acordo com ele e está consciente das suas qualidades e limitações, alcançando a sua meta através da vontade de vencer essas limitações. O seu caminho passa pela "pena e pela espada", pois não basta praticar a "arte da guerra", mas também a leitura e a escrita, buscar o conhecimento.

"Um samurai deve antes de tudo ter sempre em mente, dia e noite, desde a manhã de ano novo, quando pega os palitos para comer e tomar café, até a noite do último dia do ano, quando paga suas facturas, o facto de que um dia irá morrer. Essa é a sua principal tarefa." Daidoji Yuzan

Nota: este post nada mais é do que uma fraca tentativa de descrever algo que ultrapassa as palavras.

Filmes: Shogun; O Senhor da Guerra; The last Samurai.
Leituras: toda a obra de Venceslau de Morais; Yukio Mishima.

Arigato

Moscas

Com as patinhas levemente pendentes, voam em círculos as moscas, se é que se pode chamar àquilo de voar...Talvez, antes, planar, já que as asas, de tão transparentes e vibrantes, mal se notam.
Sempre naquele monótono movimento, como que sem objectivo algum, pairam assim por um momento, as moscas, para logo retomar a mesmo giro. Não me parece que conversem sobre as suas vidas de mosca e, às tantas, nem se dão conta umas das outras, excepto quando por uma fatalidade de rota mal calculada, se chocam e protestam, lutam por instantes, para  logo retomar, cada uma, o seu caminho.
Poisada numa maçaneta de porta, camuflada sobre o cobre envelhecido, uma outra mosca parece indiferente às voltas e reviravoltas das demais. Diriamos que estaria morta, não fosse um ligeiro menear de cabeça de tempos a tempos, em busca de um melhor ângulo para tudo ver ou simplesmente para nada, por nada, que vida de mosca não tem de ter razão de ser. Num outro canto, semi-oculta pelas folhas caídas de uma planta sedenta, uma outra da mesma espécie, empina-se e lança-se em voo picado para o centro do círculo de planadoras, despejando zunidos, ordens talvez, quem sabe, para as fazer mudar de sentido ou ganharem sentido. O certo é que, depois de uns quantos sobe e desce, umas quantas viradas agitadas, um asar mais incerto do que o costume, todas se juntaram em redor da nova mosca e depois de breve colóquio, pois assim pareceu, dirigiram-se decididas à outra, à que estava poisada na tal maçaneta de cobre envelhecido, e pararam no ar. Então, a mosca que viera da planta morta de sede, aproximou-se mais e perguntou-lhe porque razão não fazia como as demais e voava todo o dia, assim, naqueles círculos grupais. Acaso se julgaria superior às outras? A resposta não se fez esperar e a questionada, batendo asa, dispara janela fora e deixa-se ficar, a pairar sob o sol brilhante, expectante que as outras a sigam e larguem de uma vez por todas aquela monotonia de planar sem sentido, sempre em círculos que não levam a nada. Talvez as moscas pensem, embora digam que não os que julgam pensar. O que é certo é que, sem muito tempo perder, a que voou janela fora não esperou mais e fez-se aos ares dos começos de Primavera. Tola! Tola! zuniu a da planta semi-morta Vais ser comida pelos pássaros e esmagada por tempestades!
Será que as moscas riem? Não que se veja, mas por dentro talvez e aquela riu, certamente, ou nem por isso, quem sabe?!

Voam em círculos as moscas, horas a fio, porque nessa vida que é a delas o tempo não faz sentido, se é que alguma coisa faz sentido nas vidas de mosca. Pego num daqueles insecticídas que afirmam ecológicos e minutos depois acabaram-se os voos. Caídas no chão da minha cozinha, agonizantes, de patinhas para o ar, nenhuma escapou, nem mesmo a da planta sedenta, à qual agora dou água, lamentando o meu eterno descuido para com ela.

Agitata da due venti (Vivaldi)

Magnifica interpretação de Cecilia Bartoli.




Agitada, sim, e depois?
Ondas revoltas,
a bater nas rochas
e a espantar gaivotas.
Agitada até mais não.
Espuma no ar,
tempestade de paixão,
mar em revolução,
desconcerto
sem qualquer concerto.

Quero lá saber!









quarta-feira, 16 de março de 2011

Encostado ao balcão do café de bairro, o velho segura com mão trémula a chávena de café. Diz que está quente demais, a chávena, que lhe queima os dedos frios, mas que quer aquecimento de alma, mais fria ainda do que o corpo. Deixa-se estar assim, encostado, abandonado, de olhar vago em púpilas pálidas, com ares de quem perdeu a esperança na vida, porque a morte se aproxima, sente-o, vida que não foi podendo ser.
O Senhor Mário é assim, um homem de hábitos eternos por falha de opções. Todos os dias, cumprindo uma mesma rotina, lá vai até o café de bairro, porque não há muito mais o que fazer. Caminha pela rua, escassos metros, a passo lento e cansado, sem sobressaltos, pausando de quando em quando, para respirar e olhar o alto, numa ânsia de partir sabe-se lá para onde. No regresso trás o saco com duas carcaças e lamenta o preço das ditas, das coisas que estão tão caras e com a abnegação de um vencido da vida, a parca reforma que não lhe dá para nada.
Não tem sombra de gente, o Senhor Mário. A sua casa é feita de silêncios, memórias só dele e maços de tabaco vazios, largados ao acaso sobre móveis que ninguém limpa. Nela não há risos, nem ruídos de cozinha, nem cheiros de comida quente, nem o abraço de quem envelhece amando essa mesma velhice a dois. Os filhos foram-se há anos atrás, fazendo da vida que lhes foi dada uma outra, distante e sem tempo para o velho. A mulher perdeu-se algures num passado remoto, entre idas ao cabeleireiro e aborrecimentos vários, daqueles que matam o amor e a vida.
O Senhor Mário suspira, enquanto bebe o café, trémulo e cansado, encostado aquele balcão do café de bairro.
Hoje não é dia de cansaços, nem monotonias. Vou largar a papelada rabiscada num canto bem escondido e dar descanso a esta voz saturada de estórias da História, pedagogias e psicologias inventadas. Tão pouco irei ficar parada a olhar aquela mesma parede de sempre, com ideias de pincel e tinta, mas sem vontade de nada que não seja, isso mesmo, olhar. Afastarei, com persistência, a imperiosa necessidade de retirar aquela camada de pó que me pede pano, pois de preciosismos domésticos estou eu farta e não sou Marta, sou Maria. Maria por baptismo e por melâncolia de quem nasceu para a vida contemplativa.
Hoje não vou verter lágrimas, porque de tanto sal que já perdi, acabarei por me tornar ensonsa. Outras lágrimas, que não as minhas, chamam por mim e são tantas, mas tantas, tão choradas ao longo de séculos e séculos de ânsias e dores, que delas nasceram os oceanos. Pois é isso mesmo! Neste hoje saturado da saturação de quotidianos sempre iguais, como que feitos por medida, vou ver o mar, vou beber o seu azul profundo e deixar-me flutuar ao sabor das marés, como uma sereia esquecida à tona d'água. É tão fácil imaginar!
De olhos bem fechados e com as mãos sobre as orelhas, sem um mover de pernas, de nada, dou por mim, tão rápida como uma batida de coração, à beira dele, do tal mar salgado, agitado de emoções esquecidas e sempre alimentado por outras novas. Perder-me no seu silêncio é o que mais quero, transformando-me em algas, conchas, navio fantasma sem rumo, porque sem rumo estou e só conheço a incerteza dos dias vazios, sem passado, nem futuro.

sábado, 12 de março de 2011

Aqui estou, estando sem estar verdadeiramente, rodeada de um deserto de rostos sem expressão e vozes que incomódam, sujeita a um quotidiano que sendo o mesmo já não o é, nem nunca poderá ser.
Aqui estou, tristeza, feita de ausência e incerteza, de muros altos que não consigo transpôr. 
A esta saudade, nostalgia e solidão, procuro contrapôr, sem sucesso, uma fingida alegria e só no silêncio encontro a recordação que me anima e a confiança num novo dia.


A Vida é sofrimento.

"O mundo é o reino do sofrimento e a existência está impregnada de insatisfação e frustração que pode se manifestar na forma de sofrimentos físicos, mentais, causados pela natureza ou por outros seres vivos e a nobre verdade que conduz ao sofrimento é esta: a velhice é sofrimento, a doença é sofrimento, a morte é sofrimento, estar ligado ao que se detesta é sofrimento, estar separado do que se ama é sofrimento, não realizar o que se deseja é sofrimento."
Siddartha Gautama

Esta primeira Grande Verdade de Siddartha Gautama traduz aquilo que é a existência humana - sofrimento. Vivemos num estado de semi-sofrimento permanente, com momentos de felicidade efémera. Há em nós uma "sede" (desejo) constante de alcançar o inalcançável, de atingir aquilo que a nossa mente determina como fundamental, de fugirmos ao sofrimento e encontrar a felicidade. Apegamo-nos, inevitavelmente, a tudo aquilo que nos trás essa mesma felicidade, esquecidos de que ela não depende apenas de nós, das nossas acções por muito boas que sejam e que, cedo ou tarde, conheceremos a frustração da ausência, da doença, da velhice, das múltiplas contrariedades que a existência acarreta.
É preciso eliminar da nossa mente essa "sede" se quisermos realmente alcaçar a felicidade. Ignorância, auto-apego e raiva, devem desaparecer para alcançarmos a paz. Gostaria de ser capaz.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Angelika Kauffmann

Ontem foi o Dia Internacional da Mulher e nem me dei conta disso. Recebi um mail de um colega de trabalho sobre uma mulher que desconhecia, Angelika Kauffmann. Depois de pesquisar, fiquei surpreendida e algo envergonhada por ela me ter escapado.
Nasceu na Suiça em 1741, plena época das Luzes e muito embora alguns pensadores desse movimento ainda olhassem com desconfiança para a mulher e não a quisessem esclarecida, Angelika destacou-se na pintura e  foi membro fundador da Academia Real Inglesa. Antes dos 12 anos já era profissional do retrato e a sua produção artística baseou-se no estilo neoclássico. Mas nada melhor do que observar a sua obra.

terça-feira, 8 de março de 2011

Naquele planalto em terra incerta, estende-se o verde de um campo primaveril. Erva rasteira, ondulante sob uma brisa amena que desperta odores frescos de juventude. Ao longe uma árvore de braços caídos, plena de folhagem, liberta pequenas nuvens de sementes que pairam levemente e descansam, depois, por entre o frenético zunir das abelhas que, de flor em flor, se saturam do polém e bebem o néctar eterno e sempre renovado da Natureza. Junto a essa lânguida árvore há uma casa por onde passaram muitas vidas. Ecoam vozes mortas através daquelas paredes, daquelas janelas abertas e abandonadas, com fiapos de cortina envelhecida. Não tem telhado a casa e a sua desolação é silêncio por onde trepa a vegetação do abandono.

O meu vestido é tão branco, como brancas são as flores que toco com os meus dedos. Deitada na erva macia olho o azul profundo do céu e oiço a voz do anjo sem asas, cujos susurros se confudem com o som da brisa que faz ondular as ervas e a beira da minha saia.

Seguro o meu chapéu de abas largas e caminho em direcção à casa nua, morta, mas tão cheia de memórias. Corro, pisando o verde, por entre abelhas e as sementes de polém que daquela árvore se despredem. Cheguei! Toco as paredes nuas. Encosto o meu rosto a elas e absorvo o cheiro do passado, da vida que persiste, esquecida, em tons de ocre e sépia.

Mais longe, ao fundo da pradaria verde, avista-se o penhasco e o mar. Planam gaivotas e os seus gritos clamam por mim...O mergulho é para o infinito, num mar revolto que espuma lá em baixo nas rochas e que me recebe de braços abertos no esquecimento que procuro e me deixo ir, como Ofélia.


Abraça-me. Hoje está um dia cinzento, sabias? Não há raio de Sol que espreite através de nuvens tão densas, tão carregadas de lágrimas.
Abraça-me e deixa que chova, que escorra água nas minhas janelas, que os vidros tremam sob o estampido de trovões, que o mundo entre em derrapagem e venha o apocalipse.
Abraça-me, pois nos teus braços me sinto segura.

Amor...

Faz parte da vida apaixonarmo-nos de vez enquando, seja por uma pessoa, por um ideal ou até mesmo por algo tão simples como uma paisagem. Mas, ao apaixonarmo-nos isso não significa que em nós nasça um sentimento mais profundo e duradouro, como o amor. E o que é o amor, afinal? Da palavra é feito um uso, por vezes excessivo, para designar uma variedade de sentimentos que, envolvendo o gostar, têm contudo origens e razões diferentes. Amamos os nossos amigos, mas não nos sentimos tristes quando eles se ausentam por algum tempo - é o amor-amizade, destituído do Eros. Amamos os nossos filhos e até seriamos capazes de dar a vida por eles, mas não temos um sentimento de perda ou desgosto quando eles se afastam para constituir a sua própria família e seguem o seu rumo na vida. Amamos a nossa casa quando nos sentimos confortáveis e protegidos dentro dela e até podemos amar a Humanidade, sofrer pelos que sofrem, mas não deixamos de comer ou de dormir por causa disso. Amamos um namorado, um marido, uma esposa e dizemos que amamos, quando na verdade apenas gostamos, quando gostamos.
Quero falar aqui de uma forma de amor que transcende tudo isto que descrevi. Uma forma de amor que desconhecia, julgando conhecer. É que não há descrições, poesias ou prosas que nos revelem o que é esse amor, o que é amar. É preciso sentir, sim, é preciso sentir esse mesmo amor para perceber o que ele é. Ele é um sentimento perfeito perante o qual a luz da razão se apaga, vencida e nos diz que de outra forma não poderia ser. Sentimento perfeito, que nos impulsiona no sentido da perfeição e que nos faz olhar a vida, o mundo com outros olhos, fazer o bem porque tem de ser feito, caminhar pelos caminhos mais tortuosos e mesmo assim achar que o não são. Esta forma de amor resiste à adversidade e consolida-se na dificuldade. Trás felicidade quando correspondido, quando feito de presença, cumplicidade, respeito, entrega absoluta e ganha as asas de um desejo sempre renovado. É uma forma de amor que só é possível a dois e nunca sentimento de um só - como duas árvores que entrelaçam as raízes e bebem da mesma fonte. Separar o que não pode, nem deve ser separado, não mata este amor, mas faz dele dor, braço estendido que não alcança, corpo e alma amputados de uma parte de si mesmos.
Há quem nunca o encontre. Há quem seja incapaz de o ter e há quem não o queira simplesmente. Eu não sabia e por não saber julguei que o que me faltava era a liberdade, quando esta forma de amor é em si libertação. A sociedade tem medo dele, porque ele é capaz de abalar os seus mais profundos alicerçes, mostrando de forma ostensiva aquilo que todos sabem, mas não querem ver - vidas mesquinhas justificadas pelo tem de ser, pelo foi sempre assim. Por isso os amantes são olhados como insanos, perigosos, pois neles reside a semente de uma nova ordem, a nova ordem desta forma de amor que poucos conhecem e à qual todos aspiram.


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Derrota

Acabaram-se os sonhos, as fantasias mirabolantes. A realidade bate-me na cara e diz-me para acordar de vez, para me conformar. Nada, mas absolutamente nada, vai mudar. Tão longo é este caminho que já percorri...Tantos muros, tantas pedras, tantos desertos e sempre, sempre à procura, sempre com esperança de tocar com os dedos da alma um raio de sol!

Deponho as armas. Abandono o campo de batalha, tão sozinha como quando nele entrei. Estou cansada de lutar, de acreditar, de esperar... Estou cansada de tudo! Quero fechar os olhos e deixar de pensar, de sentir.

"Certas fracções da minha vida assemelham-se já a salas desguarnecidas de um palácio demasiadamente vasto que um proprietário empobrecido renuncia a ocupar todo."
 
Marguerite Yourcenar, in 'Memórias de Adriano'

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sensualidade em pedra


Pormenor do "Rapto de Proserpina (1621-1622), Bernini


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Gritar...liberdade!

Conhecer mundo. Subir à montanha mais alta, percorrer planiceis, ouvir palavras estranhas e estranhos costumes conhecer. Partilhar convicções e por elas lutar, de forma real e sem medos.
Mudança, evolução... dos acomodados não reza a História. Há tanto, mas tanto, para fazer...Teremos de ser mais um grão de areia no meio de milhões de grãos de areia?!
Nesta passagem efémera que é a vida, não há um deus que justifique a mesmice em que vivemos, nem tão pouco a ambição de estarmos conforme uma sociedade à qual, uma minoria, impôs as regras do capital e de um comportamento tantas vezes estúpido e frustrante.
Eu grito: "Liberdade!" Não apenas para mim, para todos aqueles que sofrem a opressão, o determinismo de uma gaiola sem grades, mas que está lá.
Eu grito: "Abram os olhos!" Não há nada nem ninguém capaz de nos obrigar a ser mediocridade, conformismo, mais do mesmo.
Há uma força em mim, cada vez mais incontrolável, de seguir em frente, sem medos, sem nada mais que a realização do meu eu que, em breve, ao pó voltará.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Luta interior

"Meu Deus, dá-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar o que está ao meu alcance e sabedoria para que eu saiba a diferença entre ambas."

Amar...assim

Estou a ver-te. Não sei o que fazes, mas suponho-te a dormir ou acordado a conversar com outras pessoas, em casa, num passeio qualquer. Vejo-te, não como a minha imaginação te quer ver, mas num contexto real, provável. Oiço o som da tua voz, mas não sei o que dizes. Do que falas? Dos teus projectos, dos teus sonhos, dos teus cansaços? De banalidades quotidianas ou simplesmente de nada? Estas tão longe e ao mesmo tempo tão perto.

Tenho o teu livro à cabeceira da minha cama. Já o li, reli e revi. Continuo. Tento ir mais longe, ver para além das imagens, chegar ao teu eu mais profundo. Componho, assim, aos poucos, um puzzle que vai ganhando uma forma concreta, feito das milhares de palavras que já proferiste, das expressões faciais e corporais que captei, dos sons, das cores e linhas da tua poesia sobre tela.

Não te concebo como ser perfeito, porque não existem seres perfeitos e ainda bem ou todos seriamos deuses. Nas nossas falhas e imperfeições se revela o nosso lado humano, mas também é a partir da consciência delas que podemos crescer, evoluir. É o que sinto, a cada dia que passa, quando falo contigo - que nos ajudamos mutuamente a crescer.

Não tenho a tua presença física, mas de todas as presenças físicas que tive, nenhuma me preencheu interiormente. Faltou sempre o mais...o mais. A redoma estava sempre presente. Olhava à distância. Via, ouvia, tocava, mas faltava sempre qualquer coisa. Estranho, contigo é ao contrário, só falta a presença, o toque!

Queria tanto estar contigo realmente, nem que por um instante fosse.

Felicidade e sofrimento. Penalizo-me e ao mesmo tempo congratulo-me.

Sinto-me acompanhada e ao mesmo tempo só. Caminho por entre a multidão e os meus olhos procuram-te. Nada compensa a necessidade que tenho de ti.
 

domingo, 2 de janeiro de 2011

Iemanjá

Numa certa madrugada ajoelhei
à beira-mar
e chorei
sem conseguir parar.
Vestida de branco e ainda molhada,
ela abandonou as águas
e disse-me: "Estás tão cansada.
Quantas lágrimas derramadas!"

Lágrimas salgadas,
que me queimam, Iemanjá.

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011

O tempo passa e os anos sucedem-se, uns melhores do que outros. A Terra continua em movimento e vai continuar ainda por muito tempo. Nascerão novas gentes e outras ao pó voltarão. O que tiver de ser será ou nem por isso.
Já lá vai o tempo em que eu acreditava que proferir um desejo sob o fogo de artíficio de uma passagem de ano daria os resultados ambicionados. Hoje sei que do desejo à sua realização vai uma distância muito grande, pois não basta desejar...ele tem de ser execuível e nem sempre isso é possível. Por isso, às zero horas deste novo ano não desejei nada. De igual modo, não assumi qualquer compromisso comigo mesma de fazer isto ou aquilo em 2011, pois compromissos desses são fruto do momento. As verdadeiras determinações não conhecem mudanças de calendário, não têm dia certo, nem hora. Essas estão bem guardadas dentro de mim, em compasso de espera.

2011, nada mais será que uma extensão dos anos que para trás ficaram, pois o tempo que percorremos e as experiências de vida que ele nos trouxe desde o nosso nascimento estão inexoravelmente encadeados. Dessas experiências de vida recolhi alguns ensinamentos que resumo na seguinte frase: "Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância." (Sócrates, o filósofo).