segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Queres ser tu?! Mas desde quando te é permitida tamanha insolência?!
Talvez seja possível, sim. Mas sê-o para ti mesma e esquece os outros.
Os outros...! Quem são os outros? São formas, rumos, entes separados de ti, com consciência própria e que vês através de um vidro. Intocáveis. Mas tu também não sabes como tocá-los, nem eles te sabem tocar a ti. E porque o haveriam de saber?! Obrigas-te, a cada dia que passa, a reproduzir modelos de comportamento que nada têm a ver contigo. Incorporas  ideias e sonhos que não são os teus, por medo de pareceres diferente. Tu és diferente! Não te agridas mais. Sê quem és e esquece o resto.

Voa.Tantas vezes te disse para o fazeres! Não procures respostas para o que não tem resposta. Deixa que eles sigam o rumo que escolheram, por muito estúpido e vazio que te pareça. Não podes mudar o mundo, nem obrigar a que o vejam através dos teus olhos.

Voa. Parte. Há aves que percorrem os céus sem companhia e não são menos felizes por isso.

Lágrimas, dúvidas, impasses, são pura perda de tempo. Queres? Toma. Liberta-te do apego, porque a vida é efémera, passageira. O apego é, nada mais, que uma correia que aos poucos te impede de seres quem és e te submete a banalidade que detestas.
Voa....voa...de uma vez por todas e sê a ave solitária que sempre foste.

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
(...)
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

Florbela Espanca

sábado, 27 de novembro de 2010

Mulher de Negro

Vestida assim todos diriam que era, certamente, uma viúva ainda a carpir a perda.
Lá passava ela, todos os dias, sempre pelo mesmo caminho, de cabeça erguida, sorriso nos lábios, com aqueles trapos negros sobre o corpo e adivinhavam que ela escondia, escondia uma qualquer mágoa e fazia de conta que não. Uma mágoa, um desencanto pelos Homens e pela vida.

Vestida assim, ninguém diria, quantos sonhos sonhados no segredo da sua alma, quantas perguntas sem resposta e com quanta solidão caminhava.

Em menina olhava o Tejo e ria, de nariz encostado à janela. Imaginava que o mundo um dia estaria a seu pés e que tudo alcançaria. As dores eram passageiras e nunca, para ela, existiriam barreiras para fazer como as gaivotas, bater as asas, roçar as águas e conhecer mundo.

Viajou em pensamento e acreditou que o ser humano era naturalmente bom. Crédula e pequenina com uma libelinha. Cabeça de vento.

Vestida de negro, como se de uma couraça se tratasse, protegida, escondida e perdida no meio da multidão, na sua redoma já sem ilusão, percorre por dever ou indiferença o mesmo caminho até que o fim dos tempos acabe com aquele andar sem rumo.

Não é viúva, não, aquela mulher de negro. Os seus olhos já não procuram. Os seus sorrisos são para acalentar os outros. As suas vestes são as de alguém que está de partida, já assim adornada, para se ir desta vida.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Inteligência

Inteligência, o que és sem a experiência, sem a aprendizagem?
Para veres mais longe e mais alto, tens de tudo observar e sentir todas as provações.
Inteligência, o que és se não deres as mãos à curiosidade e ao desejo de conhecimento?
Sem fome do saber, sem a percepção da natureza humana, sem a necessária intuição, não és nada!

Ficas cega se te deixares tomar pelas emoções.
Incorres em enganos se te deixares levar pela indolência.

Existem seres humanos fora do vulgar, fruto de uma capacidade imensa de usarem a sua inteligência, sem nevoeiros sentimentais e momentos passionais. Entrega ao humano banal? Só em casos excepcionais. Procura o mais...o transcendental.

A inteligência pede o novo, o desafio, criação e renovação. Nada de paragens no tempo, nem de comodismos e renúncias. In extremis alcançar o possível e o impossível.

sábado, 20 de novembro de 2010

Fantasma

Sou um ente volátil e primário.
Não tenho nem forma, nem cor.
Percorro um caminho solitário,
onde não há alegria, nem dor.

Atravesso paredes,
corpos e pensamentos.
Para mim não há muros, nem redes.
Sou livre e sem impedimentos.

Plasma.
Sombra que ri e chora.
Fantasma
que quer tomar forma.

Entre dois mundos, invisível,
navego sem rumo.
Tento alcançar o impossível,
mas acabo por me desfazer em fumo.
O infinito chama por mim.
O infinito chama por mim.
Quero alcançar a eternidade,
onde não há princípio, nem fim.
Devo partir sem qualquer saudade

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O baloiço

Para trás e para a frente
num impulso desmedido,
toco os céus com a minha mente
e reencontro algo há muito perdido.

Volto à terra de passagem.
Mas num movimento incansável
julgo tocar a outra margem.
Sonho quase tangível.

Não te vejo,
lá no alto, meu desejo.

sábado, 13 de novembro de 2010

Hino à liberdade e ao verdadeiro amor

Estou de partida. O sonho esmorece. O hoje já não tem nada a ver com o ontem. O verdadeiro amor é feito de cumplicidade e respeito, É feito de vontade e impulso. É feito da necessidade imperativa estar com o outro, seja por uma simples mensagem de bom dia ou boa noite. No verdadeiro amor,  o outro é prioritário e é procurado como uma necessidade. A busca do conflito, os esquecimentos, nada mais são que a vontade de pôr termo, de forma consciente ou inconsciente, à rotina banal que já não atrai, que se tornou demasiado usual. Liberdade. Precisa-se de um voador que queira romper com a mordaça das conveniências, que se marimbe no julgamento social.
Recuso-me ao habitual. Não me vergo ao suposto amor, trivial. Estou de partida,



sexta-feira, 12 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sou...

Sou pensamento, sonho e razão.
Alma dividida que se alimenta de realidades e fantasias,
que procura o caminho certo com determinação,
mas que lhe escapa todos os dias.

Sou pessoa, sou mulher, sou feita de ar.
Hoje estou aqui, amanhã onde estarei?
Não sei.
Já aprendi o verbo amar.
Já li e reli todas as filosofias e teologias possíveis,
em busca de respostas para esta ânsia de liberdade
e ao mesmo tempo para este desejo da sua ausência,
para este meu absurdo de existência.

Quero pensar menos e sonhar menos.
Quero que a razão tome conta de mim.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A libelinha e o escorpião

Andava a libelinha nos seus voos rápidos e inquietos sobre o lago, quando se deu conta que na margem estava um estranho bicho a tentar entrar na água. Curiosa quis ver de perto a criatura e por isso voou  até ela, mas manteve-se a boa altura, não fosse tratar-se de algum predador que a comesse. Percebeu, então, que se tratava de um escorpião e viu nele coisa perigosa e incerta. Mas, uma vez mais movida pela curiosidade, abrandou as asas e baixou até junto dele, mas ainda a uma distância segura. A libelinha perguntou-lhe o que fazia ele ali, à beirinha do lago. O escorpião respondeu-lhe: "Quero voar contigo, mas não posso. Não tenho asas." e contou-lhe outras coisas que tinha bem guardadas dentro da sua carapaça.
Todos os dias, desde então, a libelinha voa até ao escorpião e conversa com ele. Perdeu o medo de ser atingida pelo ferrão, já poisou sobre as suas costas e tentou, agarrando-o com as suas patas, elevá-lo e mostrar-lhe o lago lá do alto. Mas, o escorpião é pesado, espernei-a e por vezes mostra o seu ferrão. A libelinha bate as asas e afasta-se, pelo sim pelo não. Regressa, confusa, em espirais e voos razantes, até poisar de novo.
A libelinha e o escorpião apaixonaram-se. São dois seres antagónicos, mas que guardam dentro si parte um do outro. O escorpião tem as asas da imaginação e voa com elas, embora o voo nervoso e incerto da libelinha o desconcerte. A libelinha procura bater as asas com mais calma e sente-se bem quando poisa junto a ele. Mas sabe que corre um risco - se um dia aquele ferrão a atingir ela nunca mais poderá voar e morrerá. O escorpião sabe que a libelinha pode voar de um momento para o outro, movida pelo medo ou pela insegurança. Ambos não querem que isso aconteça, porque se completam, se entendem e aos poucos entraram na alma um do outro.
A libelinha anda a magicar na forma de tirar aquele ferrão ou envolvê-lo em algodão, sem que ele se dê conta. Poderá, então, apesar da sua aparente leveza e fragilidade, agarrá-lo bem com as suas patas e levá-lo com ela, bem para além do lago, para uma terra onde o sonho e a fantasia se tornam realidade.


terça-feira, 9 de novembro de 2010

O poço

A descida ao fundo do poço fez-se lentamente. Foi um resvalar por paredes viscosas, sem pontos de apoio, sem dar por nada. Apenas me dei-me conta disso quando senti a humidade, a estranha escuridão que desalenta e uma nesga de céu cinzento. Onde estou eu? Como cheguei aqui? Tentei trepar. Reuni todas as forças que me restavam e tentei chegar à superfície sem sucesso. Bati contra as paredes na esperança que elas desmoronassem. Nada a fazer. O poço era a gaiola de onde parti, em tempos, e a porta voltara a estar fechada. Bati as asas e perdi penas na vã tentativa de me libertar. Desisti. Cansada encostei-me às grades e fiquei a olhar para o exterior, já sem vontade de lutar, sem vontade de nada a não ser deixar-me ficar.
Derrotada? Não podia ser derrotada e muito menos por mim mesma. Um novo esforço era necessário. Pedi ajuda e deram-me unhas de aço. Com elas começo aos poucos a trepar as paredes que me levam à superfície e estou quase lá. Quase, quase lá. O céu diz-me: "Anda voar. Tenho saudades tuas." E eu tenho saudades dele. Quando chegar ao cimo do poço, vou bater as minhas asas de tal forma que alcançarei as nuvens, a paz e a serenidade de que preciso.