sábado, 27 de novembro de 2010

Mulher de Negro

Vestida assim todos diriam que era, certamente, uma viúva ainda a carpir a perda.
Lá passava ela, todos os dias, sempre pelo mesmo caminho, de cabeça erguida, sorriso nos lábios, com aqueles trapos negros sobre o corpo e adivinhavam que ela escondia, escondia uma qualquer mágoa e fazia de conta que não. Uma mágoa, um desencanto pelos Homens e pela vida.

Vestida assim, ninguém diria, quantos sonhos sonhados no segredo da sua alma, quantas perguntas sem resposta e com quanta solidão caminhava.

Em menina olhava o Tejo e ria, de nariz encostado à janela. Imaginava que o mundo um dia estaria a seu pés e que tudo alcançaria. As dores eram passageiras e nunca, para ela, existiriam barreiras para fazer como as gaivotas, bater as asas, roçar as águas e conhecer mundo.

Viajou em pensamento e acreditou que o ser humano era naturalmente bom. Crédula e pequenina com uma libelinha. Cabeça de vento.

Vestida de negro, como se de uma couraça se tratasse, protegida, escondida e perdida no meio da multidão, na sua redoma já sem ilusão, percorre por dever ou indiferença o mesmo caminho até que o fim dos tempos acabe com aquele andar sem rumo.

Não é viúva, não, aquela mulher de negro. Os seus olhos já não procuram. Os seus sorrisos são para acalentar os outros. As suas vestes são as de alguém que está de partida, já assim adornada, para se ir desta vida.

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