segunda-feira, 20 de junho de 2011

Democracia para que te quero?!

Não existem sistemas políticos perfeitos ou não fosse a Humanidade imperfeita. Imperfeita era a Democracia quando nasceu em Atenas, na antiga Grécia, pois o seu exercício encontrava-se limitado a uma minoria, a dos cidadãos e nem todos os habitantes da pólis tinham as condições exigidas para o ser. Hoje em dia, nos Estados que se pretendem democráticos, o conceito de cidadania alargou-se e, embora de forma indirecta, homens e mulheres participam na vida política, quanto mais não seja através da escolha daqueles que irão exercer a governação. Mas...eis o mas - como pode esse sistema, designado Democracia, ser verdadeiramente útil, eficaz, se uma boa parte dos cidadãos não tem qualquer formação política e muitos sofrem de iliteracia? Na antiga pólis ateniense, o jovem cidadão era educado para ser capaz de, um dia, poder participar activamente na assembleia, tomar decisões políticas e exercer cargos de responsabilidade. Hoje, nem tanto. Deu-se ao povo a ilusão da igualdade e o direito à livre opinião e à escolha...uma ilusão apenas, dado que carece do conhecimento e do discernimento necessários para o efeito. Assim, prevalece não verdadeiramente uma "democracia", mas antes uma forma de "ditadura" tão súbtil que nem damos conta dela - a "ditadura" de quem tem o conhecimento e os meios para manipular o conhecimento alheio, em benefício próprio.
Solução?! Passava por uma reforma séria do nosso sistema de ensino, por uma oferta de programação, na dita escola paralela (a TV), menos telenovelesca e mais rica em informação cultural e científica - os gostos moldam-se e os saberes transmitem-se.
Mas, a quem interessa a isto?!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

“Balanço” por Mário de Andrade

«Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial (...)»

Mário de Andrade

sábado, 11 de junho de 2011

A coleccionadora de cromos

Há muito tempo atrás, quando ainda era criança (onde já ouvi isto?!), coleccionar cromos era um daqueles passatempos infantis que mais apreciava. As cadernetas dos ditos eram motivo de orgulho e, aos fins-de-semana, lá ia eu com o meu pai até à estação de comboios do Rossio, onde vendedores com as suas banquinhas improvisadas, vendiam o que me faltava. Os cromos raros eram mais caros e havia aquela chatice de, ao abrir as carteirinhas, virem os repetidos, sempre os mesmos, os que toda a gente tinha e que nem para a troca interessavam.
Passaram-se muitos anos, desde então. Com o tempo descobri que também é possível coleccionar outro tipo de cromos, não dos de papel, mas de carne e osso e que, tal como no antigamente, também são produzidos em massa.
Numa daquelas noites de boa disposição, uma amiga minha disse e com carradas de razão: " Calham-nos sempre os cromos repetidos, porque os bons são raros."
Resta-me, assim, admitir que como coleccionadora de cromos sou uma lástima - repetidos, mais que muitos e de qualidade quase nada.