quarta-feira, 16 de março de 2011

Encostado ao balcão do café de bairro, o velho segura com mão trémula a chávena de café. Diz que está quente demais, a chávena, que lhe queima os dedos frios, mas que quer aquecimento de alma, mais fria ainda do que o corpo. Deixa-se estar assim, encostado, abandonado, de olhar vago em púpilas pálidas, com ares de quem perdeu a esperança na vida, porque a morte se aproxima, sente-o, vida que não foi podendo ser.
O Senhor Mário é assim, um homem de hábitos eternos por falha de opções. Todos os dias, cumprindo uma mesma rotina, lá vai até o café de bairro, porque não há muito mais o que fazer. Caminha pela rua, escassos metros, a passo lento e cansado, sem sobressaltos, pausando de quando em quando, para respirar e olhar o alto, numa ânsia de partir sabe-se lá para onde. No regresso trás o saco com duas carcaças e lamenta o preço das ditas, das coisas que estão tão caras e com a abnegação de um vencido da vida, a parca reforma que não lhe dá para nada.
Não tem sombra de gente, o Senhor Mário. A sua casa é feita de silêncios, memórias só dele e maços de tabaco vazios, largados ao acaso sobre móveis que ninguém limpa. Nela não há risos, nem ruídos de cozinha, nem cheiros de comida quente, nem o abraço de quem envelhece amando essa mesma velhice a dois. Os filhos foram-se há anos atrás, fazendo da vida que lhes foi dada uma outra, distante e sem tempo para o velho. A mulher perdeu-se algures num passado remoto, entre idas ao cabeleireiro e aborrecimentos vários, daqueles que matam o amor e a vida.
O Senhor Mário suspira, enquanto bebe o café, trémulo e cansado, encostado aquele balcão do café de bairro.

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