sábado, 19 de março de 2011

Moscas

Com as patinhas levemente pendentes, voam em círculos as moscas, se é que se pode chamar àquilo de voar...Talvez, antes, planar, já que as asas, de tão transparentes e vibrantes, mal se notam.
Sempre naquele monótono movimento, como que sem objectivo algum, pairam assim por um momento, as moscas, para logo retomar a mesmo giro. Não me parece que conversem sobre as suas vidas de mosca e, às tantas, nem se dão conta umas das outras, excepto quando por uma fatalidade de rota mal calculada, se chocam e protestam, lutam por instantes, para  logo retomar, cada uma, o seu caminho.
Poisada numa maçaneta de porta, camuflada sobre o cobre envelhecido, uma outra mosca parece indiferente às voltas e reviravoltas das demais. Diriamos que estaria morta, não fosse um ligeiro menear de cabeça de tempos a tempos, em busca de um melhor ângulo para tudo ver ou simplesmente para nada, por nada, que vida de mosca não tem de ter razão de ser. Num outro canto, semi-oculta pelas folhas caídas de uma planta sedenta, uma outra da mesma espécie, empina-se e lança-se em voo picado para o centro do círculo de planadoras, despejando zunidos, ordens talvez, quem sabe, para as fazer mudar de sentido ou ganharem sentido. O certo é que, depois de uns quantos sobe e desce, umas quantas viradas agitadas, um asar mais incerto do que o costume, todas se juntaram em redor da nova mosca e depois de breve colóquio, pois assim pareceu, dirigiram-se decididas à outra, à que estava poisada na tal maçaneta de cobre envelhecido, e pararam no ar. Então, a mosca que viera da planta morta de sede, aproximou-se mais e perguntou-lhe porque razão não fazia como as demais e voava todo o dia, assim, naqueles círculos grupais. Acaso se julgaria superior às outras? A resposta não se fez esperar e a questionada, batendo asa, dispara janela fora e deixa-se ficar, a pairar sob o sol brilhante, expectante que as outras a sigam e larguem de uma vez por todas aquela monotonia de planar sem sentido, sempre em círculos que não levam a nada. Talvez as moscas pensem, embora digam que não os que julgam pensar. O que é certo é que, sem muito tempo perder, a que voou janela fora não esperou mais e fez-se aos ares dos começos de Primavera. Tola! Tola! zuniu a da planta semi-morta Vais ser comida pelos pássaros e esmagada por tempestades!
Será que as moscas riem? Não que se veja, mas por dentro talvez e aquela riu, certamente, ou nem por isso, quem sabe?!

Voam em círculos as moscas, horas a fio, porque nessa vida que é a delas o tempo não faz sentido, se é que alguma coisa faz sentido nas vidas de mosca. Pego num daqueles insecticídas que afirmam ecológicos e minutos depois acabaram-se os voos. Caídas no chão da minha cozinha, agonizantes, de patinhas para o ar, nenhuma escapou, nem mesmo a da planta sedenta, à qual agora dou água, lamentando o meu eterno descuido para com ela.

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