Era uma vez uma menina muito velha que tudo julgava saber das coisas humanas. Na sua casa, feita de paredes de vidro, existiam estantes enormes replectas de livros e todos ela tinha lido, menos um - o mais importante de todos...aquele que ensinava que é impossível saber tudo sobre as coisas humanas, inclusivamente que ela própria era uma delas. Não viu aquele precioso livro porque era distraída e a distracção é outra coisa humana que pode dar muitos dissabores, só que a menina muito velha não levava muito a sério as distracções.
Num dia qualquer, sem hora precisa, resolveu dar um passeio pelo mesmo caminho de sempre. Um caminho seguro, sem ervas daninhas, nem plantas espinhosas. Ao fundo viu o começo de uma floresta que nunca ali tinha estado. Curiosa como era (devia ter lido o tal livro esquecido que também ensinava que a curiosidade podia trazer o inesperado), resolveu ir espreitá-la, meter-se nela. Vista de fora, a floresta parecia tão bela, calma e acolhedora! Entrou. Árvores, flores, arbustos, chilrear de aves descontraídas. Foi andando, andado, cada vez mais fascinada com uma natureza tão exuberante.
Não sabe, a tal menina muito velha, quanto tempo andou por lá. Perdeu a noção do dia e da noite. Quando se deu conta, achou que era altura de voltar, de regressar ao seu caminho, aquele que a levava à sua casa com paredes de vidro. Mas, como que por magia, um nevoeiro denso envolveu a floresta e por mais que tentasse não encontrava de maneira nenhuma o caminho de volta. Caminhou, então, horas e horas, dias, meses, ao acaso em busca de uma saída. Tinha de a encontrar custasse o que custasse. Para que lado ficava o Norte? Onde estava o Sol ou a Lua para a orientar? Nada...só nevoeiro cada vez mais denso, pesado.
Foi então que se abeirou, sem saber muito bem como, de um precipício. Lá bem no fundo o mar calmo, no seu vai e vem constante, espalhava espuma nas rochas. "Vem ter comigo, menina muito velha que tudo julgavas saber. Salta e funde-te comigo. Para trás só tens nevoeiro e as paredes de vidro da tua casa estilhaçaram-se. Vem e esquece."
À beirinha do precipício, houve um derradeiro momento em que a menina muito velha lamentou ter-se esquecido daquele livro que por distracção não lera, de ter entrado na floresta desconhecida por curiosidade. Mas sentia-se tão cansada, tão cansada de tantas horas perdidas, de tanto caminhar sem rumo certo, que se deixou cair e fundiu-se com o mar.
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