segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Perdida

Era uma vez uma menina muito velha que tudo julgava saber das coisas humanas. Na sua casa, feita de paredes de vidro, existiam estantes enormes replectas de livros e todos ela tinha lido, menos um - o mais importante de todos...aquele que ensinava que é impossível saber tudo sobre as coisas humanas, inclusivamente que ela própria era uma delas. Não viu aquele precioso livro porque era distraída e a distracção é outra coisa humana que pode dar muitos dissabores, só que a menina muito velha não levava muito a sério as distracções.
Num dia qualquer, sem hora precisa, resolveu dar um passeio pelo mesmo caminho de sempre. Um caminho seguro, sem ervas daninhas, nem plantas espinhosas. Ao fundo viu o começo de uma floresta que nunca ali tinha estado. Curiosa como era (devia ter lido o tal livro esquecido que também ensinava que a curiosidade podia trazer o inesperado), resolveu ir espreitá-la, meter-se nela. Vista de fora, a floresta parecia tão bela, calma e acolhedora! Entrou. Árvores, flores, arbustos, chilrear de aves descontraídas. Foi andando, andado, cada vez mais fascinada com uma natureza tão exuberante.
Não sabe, a tal menina muito velha, quanto tempo andou por lá. Perdeu a noção do dia e da noite. Quando se deu conta, achou que era altura de voltar, de regressar ao seu caminho, aquele que a levava à sua casa com paredes de vidro. Mas, como que por magia, um nevoeiro denso envolveu a floresta e por mais que tentasse não encontrava de maneira nenhuma o caminho de volta. Caminhou, então, horas e horas, dias, meses, ao acaso em busca de uma saída. Tinha de a encontrar custasse o que custasse. Para que lado ficava o Norte? Onde estava o Sol ou a Lua para a orientar? Nada...só nevoeiro cada vez mais denso, pesado.
Foi então que se abeirou, sem saber muito bem como, de um precipício. Lá bem no fundo o mar calmo, no seu vai e vem constante, espalhava espuma nas rochas. "Vem ter comigo, menina muito velha que tudo julgavas saber. Salta e funde-te comigo. Para trás só tens nevoeiro e as paredes de vidro da tua casa estilhaçaram-se. Vem e esquece."
À beirinha do precipício, houve um derradeiro momento em que a menina muito velha lamentou ter-se esquecido daquele livro que por distracção não lera, de ter entrado na floresta desconhecida por curiosidade. Mas sentia-se tão cansada, tão cansada de tantas horas perdidas, de tanto caminhar sem rumo certo, que se deixou cair e fundiu-se com o mar.


Sem comentários: