segunda-feira, 23 de agosto de 2010

As matriarcas

Texto que se segue foi retirado do meu blog "Verbo ad verbum", parado desde 2008.

Lapa-Lisboa(1963)

A rua é uma das muitas de Lisboa, da Lisboa do antigamente - casas de estrutura pombalina, passeios calcetados a martelo e pejados de obras canídeas; cheiro a bairro, a fruta e a gritos de pregão.

Vivia-se a ditadura Salazarista e "Deus, Pátria e Família" eram coisas tidas como certas desde os bancos de escola.

As matriarcas avançam no passeio, calmas e decididas - a bisavó, a mãe, a avó (da esq. para a drt.). Três gerações e uma quarta em letargia no carrinho.

Sei que foi dia de baptismo, do meu baptismo - acto incompreensível esse o de verter águas frias e tidas como santas na moleirinha inocente de uma criança! As matriarcas nunca foram dadas a coisas da Igreja mas, conforme os hábitos da época, chamavam por Nossa Senhora nos momentos de aflição e baptizavam os rebentos com devoção estudada e nada sentida.

Na minha família as mulheres sempre prevaleceram. A bisavó, nascida em 1888, até era mansa na sua condição de doméstica e, apesar de desconhecer o alfabeto, não deixou de proporcionar às filhas a instrução que não tivera. A avó, essa, era um portento de sabedoria e poder de decisão - empregada dos Correios, exímia a operar com o telégrafo e tocadora de bandolim nas horas vagas, casou cedo e arrependeu-se. Foi uma feminista à sua maneira e vituperou, até ao fim dos seus dias, tudo o que era macho. Após a sua morte em 1993, o ceptro passou para as mãos da do meio (da foto) - a minha mãe -, uma doméstica por imposição, dizia, embora eu não me lembre de ela o ser no verdadeiro sentido do termo, pois pois foi sempre ela quem conduziu os destinos financeiros da família. Estudou pouco e a insatisfação pelo seu estado, a par de uma descrença absoluta na pureza das acções humanas tornaram-na temível.

As matriarcas avançam no passeio, calmas e decididas. Não sei quem tirou esta fotografia. Nunca o soube... por distracção.